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Treino 3D - Corpo, Mente e Espírito, com Samorai

Bacharel em esporte, Samorai (@samorai3d) é criador do método de treinamento 3dimensional para reabilitação, prevenção e tratamento de lesões e performance. Aqui, auxilia praticantes e treinadores na busca por harmonia.
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Dia Internacional da Coragem

Por Samorai
Atualizado em 8 mar 2022, 19h52 - Publicado em 8 mar 2022, 19h45

A vida quer de você apenas coragem. Já escrevi sobre a coragem aqui. E por que estou escrevendo novamente? Porque para mim hoje é o dia em que mais me lembro da coragem. Hoje é o Dia Internacional da Mulher. E sempre que penso em mulher eu penso em coragem. Como citei na coluna sobre coragem, eu nasci muito medroso. Por isso a coragem me desperta tanto deslumbre. Foram mulheres corajosas que me ensinaram o que é ter coragem. O que é ser verdadeiramente forte. E hoje quero homenageá-las.

Ser mulher é ser forte. Não há espaço para fraqueza. Se tempos difíceis fazem homens fortes, mulheres vivem em tempos terríveis, porque são fortes demais. Minha homenagem começa com a minha avó. Após sair do navio que a trouxe sozinha ao Brasil, este foi afundado pelos alemães. Por muito pouco eu não poderia contar essa história. Ela tinha apenas 16 anos. Foi emancipada e veio para cá pela primeira vez. Passou muitas dificuldades e voltou para sua terra natal, Lisboa. Casou-se com meu avô, que a primeira vez que a viu foi em um retrato. E disse que esperaria ela voltar para Portugal para se casarem. Quando ela voltou, foi amor à primeira vista da parte dela, e segunda da parte dele. Tiveram uma filha, minha mãe.

Meu avô, sem emprego, foi para a África trabalhar, deixando as duas guerreiras contra o mundo. Com 3 anos a família se reúne novamente em um navio para o Brasil. Sem lenço e um documento. Sem dinheiro, mas uma coragem como eu nunca vi. Chegaram aqui e trabalharam muito. Morando na periferia a vida não era fácil. Minha mãe, muito criança, ficava sozinha em casa para que a minha avó trabalhasse. Era costureira de mão cheia. Arrumou seus clientes, montou sua vendinha, carregou meu avô quando esse perdia o rumo. Bateu, até literalmente, em quem abusou da sua fragilidade de mulher, pequena (1,52m) e muitas vezes sozinha. Protegeu tudo e todos. Cuidou de todos. E morreu sem a percepção da realidade, um presente de Deus, para não se perceber frágil. Mesmo sendo tão forte, até em seus preconceitos, sabia ser doce e acolhedora. Quando fiz minha primeira tatuagem, algo abominável em toda minha família e que, até então, ninguém tinha, ao chegar em casa fui muito reprimido por meus pais. No entanto nunca vou esquecer o que minha avó me disse: “Você sabe que eu não gosto de tatuagens, mas em você ficou boa”. Hoje eu lembro de você.

Coragem também tem minha mãe. Sozinha em casa aos 4 anos de idade enquanto minha avó trabalhava. Teve uma vida de muita luta. Trabalhava em três períodos para cuidar de todos nós. Realidade de milhões de mães, na maioria das vezes sozinhas. Mais recentemente, o mundo mudou totalmente, se tornando muito difícil para ela e para as mulheres da idade dela. De repente tudo que elas sabiam não tinha mais utilidade. O mundo estava informatizado. Aquele negócio, coberto com uma capa no canto da sala, uma televisão esquisita com teclado. O tal do computador. Porém ela quis aprender. Uma linguagem que não a pertencia. Lembra do DOS, sistema operacional?

Hoje, computador é simples e intuitivo, mas por muito tempo não foi. Para as nossas mamães, pode apostar, foi menos ainda. Pois ela tinha um caderninho muito lindo, descrito passo a passo, com desenhos, o que ela tinha que fazer. Qual o botão que ela tinha que apertar, o que digitar. Onde era o “enter”. E ela aprendeu. Sozinha, mais uma vez. Assim como aprendeu a andar de bicicleta, que lhe foi privado na infância pobre, com mais de 60 anos. Sabe como? Teve a coragem de colocar uma rodinha na bicicleta e tentar até aprender. É preciso muita coragem para seguir seu coração e não dar importância para o que os outros falam a seu respeito. Hoje, com mais de 70, pego ela no computador aprendendo inglês. Fala se isso não é inspirador!

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Algumas mulheres te inspiram. Outras jogam o mundo na sua cabeça até você ser quem tem que ser. Quando saí da minha casa em 1997 e fui morar sozinho com alguns amigos, a vida parecia que seria mais divertida. Contudo, após a euforia inicial veio a depressão. E não queria sair da cama. Faltava nas aulas que eu tinha que dar. Todo dia uma nova desculpa. Os amigos nem percebiam muito. Mas uma aluna, depois de tomar alguns canos nas aulas, foi até meu apartamento, entrou, jogou tudo que podia na minha cabeça me dizendo que quando ela me conheceu eu era um cara fora de série e hoje eu estava aqui jogado na cama como um coitado. Me chamou para a realidade. Bateu a porta e foi embora. Nunca mais dei aula para ela, porém ela me tirou daquela situação.

Coragem tem minha esposa, primeira pessoa da gigantesca família dela a fazer faculdade. Morando no Capão Redondo, na época em que o bairro era o mais violento do país. Não saía das letras dos Racionais e do Notícias Populares, jornal sensacionalista da época. Entendedores entenderão. Sem dinheiro, trocou as festas e tudo que atrai o jovem para estudar, entrar na USP e só sair de lá com o título de doutora. Entre tantos exemplos dela que me inspiram, as 18 horas em trabalho de parto, as dezenas de noites dormindo sentada, a força para cuidar da minha filha quando ela está doente e eu já espanei faz tempo. Meu equilíbrio na vida. Junto com minha filha, que aprendeu com todas essas mulheres a ser guerreira e ter a mente blindada. Outro dia me perguntou se eu seria campeão na véspera de um campeonato e eu hesitante disse que não sabia. Ao passo que ela me respondeu. Se você acha que não pode, você não pode mesmo. E se você quer ser campeão, primeiro precisa acreditar que pode. Resultado? Fui campeão europeu 2022! Minhas fontes de força e coragem caminham nessa vida ao meu lado.

Olhando para trás, sou um privilegiado de ter tanta mulher corajosa na minha vida. E poderia citar minhas duas irmãs, que passaram muita dificuldade para se formar e hoje seus trabalhos têm o foco no outro. Em ajudar o outro. Minha sogra migrante nordestina que parece que nunca se cansa quando o assunto é ajudar. A mãe dela, que cuidou sozinha dos seus 5 filhos e mais 6 do outro casamento do seu marido. Cuidou dos 11 como se fossem dela, sem salário ou pensão, só com plantação e criação de algumas ovelhas e galinhas. Mulher guerreira que um dia teve a casa invadida belo bando de Lampião. Mais uma de suas passagens espetaculares.

Lembro também das meninas dos meus times de vôlei e handebol e os títulos que conquistamos quando ninguém mais acreditava. Aqui também uma homenagem à coragem da Helena Galante quando aceitou o desafio de mudar a Boa Forma. Maior ainda em me dar uma coluna. Homem nenhum teria esse “culhão”. Da minha amiga Paula que tem a coragem de ser 3D integralmente. Da dona Íris, que venceu a morte. E de tantas e tantas mulheres que não podem errar. E de nem tantos homens que se parecem com mulheres de tanta coragem. Coragem de abrir mão de seu poder por um mundo mais justo.

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Muita gente vai dizer que não tem que ter um dia para as mulheres, que as mulheres são todos os dias. E é verdade, mas esse é um dia para você relembrar que se está lendo isso é porque teve muitas mulheres na sua vida. E que ser mulher não é fácil. Que ser mulher é ter coragem, é ser luta. Principalmente em um mundo no qual uma mulher é vítima de estupro a cada dez minutos. Onde juiz culpa mulher pelo próprio estupro, onde milhares delas sofrem violências de seus próprios companheiros.

Um dia como esse é necessário enquanto, como diz a professora Ana Arnt, da Unicamp: “Para cada homem jovem que erra e tem o direito de errar aos 35 (40, 50, 60), há dezenas de meninas com 12-14 anos que ‘sabem o que estão fazendo’”. Ou na minha versão: “Para cada homem covarde atrás de suas armas, poder ou força física, existe uma mulher que não se intimida com isso. Que luta mesmo que o preço seja 1455 dias sem que saibamos quem a matou e por quê”. Que eu seja forte como essas mulheres. E você também.

Forte abraço,

Samorai

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