Rita Lee: a padroeira da Liberdade
Eu tinha uns oito anos quando ouvi Rita Lee de verdade pela primeira vez. Minha mãe tinha comprado o disco “Rita Lee em Bossa N’Roll” nas Lojas Americanas e eu estava aprendendo a mexer no novo aparelho de som super mega tecnológico que meu pai tinha comprado e que tocava vinil, fitas K7 e os recém-chegados CDs.
Se eu fechar os olhos agora, consigo me ver na sala da casa onde cresci, em Bauru, sentada num carpete bege, com um fone de ouvido que me parecia enorme conhecendo canções como “Doce Vampiro”, “Desculpe o Auê”, “Perto do Fogo”, entre outras. Foi a primeira coisa que eu ouvi depois que os vinis da Xuxa tinham perdido a graça; uma espécie de iniciação musical para a menina que eu estava me tornando. E eu escutei tanto que sei até hoje as letras e a ordem das músicas de cor.
Mais tarde, na adolescência, descobri o disco “Fruto Proibido”, com a banda Tutti Frutti, e fiquei absolutamente apaixonada por aquele rock que trazia um piano tão marcante e solos de guitarra maravilhosos. Ao longo dos anos, juntamente com a conexão com o som da Rita Lee, veio a profunda admiração por aquela mulher tão talentosa, inteligente, engraçada, espontânea. Nunca tinha visto uma artista tão autêntica.
Hoje entendo que toda aquela identificação que tive aos 8 anos era porque, em algum nível, Rita Lee era tudo aquilo que eu gostaria de ser: uma alma revolucionária.
Ela tocou guitarra numa época em que o instrumento não parecia ser para as mulheres. Ajudou a formar uma banda de rock incrível, foi expulsa por motivos machistas e ressurgiu muito maior numa carreira solo brilhante em que cantou rock, pop, baladas, e tudo o mais que ela quis. Uma artista versátil e incrivelmente carismática, cantada e querida por um público que vai dos jovens roqueiros psicodélicos às senhoras conservadoras amantes das telenovelas.
Feminista raiz, Rita Lee foi muitas mulheres em uma só. Viveu loucuras como uma noite de orgia com os integrantes do Yes em Londres e também compôs canções de amor devocionais para o marido, com quem viveu por 47 anos. Foi da jovem porra louca amante do LSD a avó “careta” e coruja. Foi genial, linda, sexy, debochada, irreverente, ácida. Foi cantora, compositora, escritora, atriz, ativista.
Num mundo que insiste em fazer a mulher escolher entre ser mãe OU ter uma carreira de sucesso, ela se tornou a maior estrela do rock nacional E ainda criou três filhos.
Na velhice, recusou os artifícios de botox e assumiu as rugas, os brancos e a feiticeira sábia que sempre foi. Encarou os limites do tempo e do corpo com a dignidade e a coragem que sempre lhe foram peculiares.
Olhando para a trajetória dela, só consigo pensar na potência que é uma mulher que se permite ser livre. Porque pra mim foi a liberdade que sempre norteou as escolhas e as conquistas desta mulher incrível.
A morte dela nesta semana me deixou triste, claro. Mas foi uma tristeza leve, passageira. Nada comparado a imensa alegria de ter testemunhado a sua existência. Por isso, finalizo este texto celebrando a sua vida e o seu legado.
Obrigada por tudo, Rita Lee.