Beleza

Como manter a autoestima em alta durante o tratamento de câncer

Mulheres contam como o diagnóstico ressignificou seu sentido de beleza e respeito com o próprio corpo

por Ana Ferreira | Ilustração de Erika Lourenço Atualizado em 9 out 2020, 16h43 - Publicado em 8 out 2020 08h52

Receber um diagnóstico de câncer não é fácil para ninguém. Afinal, daquele momento em diante o paciente não só precisará enfrentar uma batalha contra a doença, como também contra os efeitos colaterais do tratamento. Para as mulheres, contudo, a notícia pode ser ainda mais dura, uma vez que a quimioterapia traz algumas consequências diretamente ligadas à autoestima e sua ideia de beleza.

Como o tratamento afeta o corpo

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os sintomas mais comuns após iniciar o uso do medicamento são fraqueza, diarréia, perda ou aumento de peso, vômitos, tonteira, enjôos e perda de pelos e cabelos – este, normalmente, o mais temido pelas mulheres por dois motivos principais:

O primeiro deles, segundo a oncologista Alessandra Morelle, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, é que a queda dos fios é o que expõe de forma não verbal o tratamento de câncer e, diante disso, cria-se o estigma da doença, relacionado principalmente à morte.

“Já ouvi de muitas pacientes que elas conseguem se adaptar relativamente bem com esse visual diferente, porém o que mais incomoda é o que ele transmite para os outros, o olhar das pessoas com pena”, relata.

É comum que pacientes que estão prestes a iniciar o tratamento fiquem com medo das possíveis mudanças na aparência, afetando também a saúde psicológica

“Se o cabelo não cai, de certa maneira isso vira um tema privado para a mulher. Já quando a queda está aparente, é quase que inevitável que as pessoas saibam e acabem entrando numa intimidade que, muitas vezes, as pacientes não querem que seja invadida”, completa.

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De acordo com a psicanalista e professora Sandra Hott, do Rio de Janeiro, o segundo motivo é relacionado à autoimagem da mulher. Ela afirma que é comum que pacientes que estão prestes a iniciar o tratamento fiquem com medo das possíveis mudanças na aparência, afetando também a saúde psicológica.

“O ‘belo’ é entendido como imagem corporal. Diante da sociedade, há uma cobrança de adequação que só gera sofrimento às pacientes mulheres”, ela explica.

“É importantíssima a presença de um trabalho psicoterapêutico para que essa mulher dê conta de ampliar o que ela chama de beleza. A força, o empenho, a determinação e a resiliência de cada etapa deste momento que ela vive podem trazer novidades de autoconhecimento, superação e fortaleza que são capazes, sim, de espelhar uma beleza que vai além do padrão fixo, com a possibilidade de ressignificar e reconstruir a sua própria relação com a imagem corporal”, conclui.

Como manter a autoestima durante o câncer

Sob o olhar profissional de Sandra, a autoestima tem a ver com autocuidado, com autoimagem, com quanto de amor a pessoa consegue dirigir para si. Diante disso, é possível mensurar quão transformador pode ser para uma paciente oncológica conseguir ressignificar sua relação com a aparência durante o tratamento.

“Nossa sociedade fixa padrões que aprisionam as mulheres, inclusive em momentos como esse. Na falta dos sinais considerados femininos pelos padrões da sociedade, permanece ali uma mulher com uma beleza que ela não conhecia”

Sandra Hott, psicanalista

Depois de acompanhar o tratamento e evolução de milhares de pacientes, Alessandra também acredita que este seja um momento de grande transformação interna para as mulheres.

“Acredito que a questão do cabelo é um dos picos de sofrimento para elas. Mas, na sequência, a gente percebe que as mulheres se readaptam ao novo visual, encontram novas belezas em si mesmas além do cabelo”, explica. “Vejo isso em praticamente todas as pacientes”.

O cabelo deixa de ser o foco principal e elas passam a ter um olhar para outras áreas dos seus corpos, onde encontram coisas lindas. “É muito bonito de ver as mulheres que conseguem identificar o seu ‘eu interior’ mais forte do que qualquer outra parte do seu corpo. É uma libertação muito interna”, reforça Alessandra.

“Acredito que o câncer leve a um crescimento da mulher como sujeito no mundo. Leva a se reconhecer a partir de uma força construída naquele momento, e perceber que ser mulher não depende da aparência externa, mas sim de uma questão de se enlaçar àquilo que ela realmente é”, finaliza Sandra.

Câncer e autoestima: relatos reais

  • MARJORIE VANNUCCI, 41 ANOS: QUANDO AS MAMAS PRECISAM IR
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(Erika Lourenço/BOA FORMA)

Com histórico de câncer de mama na família, Marjorie descobriu a doença aos 38 anos, após passar por alguns exames de rotina. Na ocasião, o tumor ainda não era palpável, porém estava se espalhando e era bastante agressivo.

Logo após o diagnóstico veio o primeiro desafio do tratamento: a mastectomia bilateral, ou seja, a retirada das mamas, sendo uma delas por razão preventiva.

“Quando você se depara com o câncer, também se depara com perdas muito profundas, que mexem com seu olhar para o espelho. É muito importante que a gente entenda que é um processo, um momento, e que vai passar”

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A fonoaudióloga decidiu encarar esta fase como um momento de muito autocuidado e amor próprio, tanto na parte da saúde, quanto da autoestima.

“Eu tinha claro na minha cabeça que seriam momentos muito desafiadores, que iam mexer principalmente com a minha vaidade, mas que eu deveria olhar pra mim com mais compaixão e mais amor, para que pudesse passar por esse momento de uma forma mais suave, mais leve. Já era um momento bastante pesado. Eu precisava ter mais compaixão comigo.”

Ela conta que foi bastante difícil encarar o espelho no início e não se reconhecer, não só pela cirurgia dos seios (que receberam próteses após a retirada), mas também pela perda dos cabelos, cílios e sobrancelhas por conta da quimioterapia.

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“É um momento em que você perde toda a sua referencia feminina. Ressignificar isso e utilizar dos artifícios que temos para poder nos empoderar novamente é fundamental para que a gente consiga continuar de uma forma saudável”

Marjorie não deixou que as mudanças da aparência a abatessem. Muito pelo contrário. Atualmente dona de cabelos rosas, a fonoaudióloga encontrou, durante seu tratamento, uma nova versão de si.

“Quando comecei a voltar a ter cabelos e comecei a ressignificar toda a minha imagem, os cabelos coloridos começaram a fazer parte da minha vida e a mostrarem para mim outra Marjorie também dentro das minhas possibilidades. Acabou que quase virou uma marca registrada”, contou.

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  • LUANA, 27 ANOS: O CABELO COMO FONTE DE FEMINILIDADE
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(Erika Lourenço/BOA FORMA)

Luana tinha 25 anos quando, ao investigar mais afundo uma tosse insistente, descobriu um linfoma. Ao passar pela biópsia no fim de 2018, foi confirmado o diagnóstico e, com ele, a necessidade de passar por cirurgia e tratamento quimioterápico.

Mesmo com o susto da notícia, seu principal medo naquele momento foi, na verdade, todo direcionado para a perda dos cabelos. “Depois da primeira sessão de quimio, meu cabelo secou completamente. Eu tinha o cabelão grande, cortei chanel e depois raspei. Eu achei que ia ser o maior transtorno mas, no fim, levei numa boa. Eu comecei a me ver com outros olhos”, relembrou, ressaltando que esta mudança na forma de ver a situação foi fundamental para sua evolução.

“Foi um baque ficar careca, mas ao mesmo tempo eu me aceitava. Comprei as perucas, mas nem usava. Eu ficava mais sem do que com”

“A pergunta quando você tem uma doença dessas é: ‘Por que eu?’. Eu parei de me perguntar isso e pensei: ‘Por que não eu? Foi aí que, por incrível que pareça, comecei a me ver mais bonita.”

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Finalizado o processo quimioterápico, ela começou a compartilhar em seu Instagram algumas fotos feitas neste período de tantas mudanças. Para sua surpresa, as imagens retratavam uma nova versão não só para ela mesma, como também para quem via suas publicações.

“Esses dias me falaram que aquela época eu estava com uma luz que era diferente, sabe? Tinha energia. Eu estava doente, mas tinha uma luz dentro de mim que estava bem”, relembrou.

“Tudo isso me ensinou a respeitar meu corpo, meu tempo, e que nem tudo é como queremos. Por mais que exista o medo, a insegurança do exame que tenho que fazer de novo, isso tudo me fez ver que voltei a ser a Luana de antes, mas também me ensinou a me olhar com mais carinho.”

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  • SUELI, 71 ANOS: UMA QUESTÃO DE PESO
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(Erika Lourenço/BOA FORMA)

A vida de Sueli, de 71 anos, mudou completamente depois de passar por um câncer no estômago diagnosticado em 2016, após três anos sentindo dores na região. Concluídas as três sessões quimioterápicas e uma cirurgia que retirou 80% se deu estômago, ela venceu a doença.

“Eu não sabia o que era câncer. Eu tinha a teoria, mas você não sabe o que é o câncer até passar por um. É só quando você chega lá para a primeira sessão de quimio que conhece as dores da doença, porque a quimioterapia, ao mesmo tempo que te faz bem, também faz um mal danado”, relatou.

Logo após a primeira etapa do tratamento, que durou cinco dias de internação no hospital, Sueli sentiu que seus cabelos começaram a cair. Essa perda, é claro, acabou sendo um baque para sua autoestima, mas mesmo estando triste, foi surpreendida pela atitude de uma amiga.

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“Eu chorava porque ia perder meus cabelos. Foi aí que minha amiga raspou a cabeça dela e chegou um dia antes do meu aniversário falando: ‘Fiz isso por você!’. Não teve como… Raspei a cabeça”

Cheia de bom humor, Sueli conta que até tentou se adaptar a alguns assessórios, mas não deu certo: “Queriam que eu usasse peruca, mas eu ficava igual ao Didi d’Os Trapalhões [risos]. Então, decidi que ia enfrentar minha ‘carequice’”.

“Hoje me sinto maravilhosa com meus cabelos brancos, cacheados, que nasceram diferente, mas eu os amo! Desde o principio, quando começou a crescer, eu senti que não ia precisar mais nem de progressiva, nem de tinta. Foi uma economia ótima!”, brinca.

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“Perdi todas as peças que tinha antes do tratamento. Fui comprando roupas que me servissem e adorava”

Mesmo lidando bem com a questão do visual, outro fator influenciou muito sua autoestima: o emagrecimento de 10kg. “Perdi todas as peças que tinha antes do tratamento. Fui comprando roupas que me servissem e a Grazi adorava”, ela conta, citando Graziela Primiani, sua colega de trabalho na Câmara Municipal de Itu, em São Paulo.

“Eu andava meio depressiva. Aí a Grazi falou: ‘Vamos levantar essa autoestima e fazer um blog!’. Eu não sabia o que era blog, mas topei. Ela começou a me fotografar e deu no que deu. Essa maravilha!”. O Blog da Su 70 recebeu muitas mensagens positivas e motivacionais — incluindo até mesmo um convite a participar do “Encontro com Fátima Bernardes”, da Globo. “O blog foi o auge! Foi vida para mim. Ele me deu vida!”, contou emocionada.

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  • MIRELA JANOTTI, 53 ANOS: SEM CABELO, COM HUMOR
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(Erika Lourenço/BOA FORMA)

Em 2006, a redatora publicitária Mirela passou por uma sequência de acontecimentos difíceis, incluindo o divórcio de um casamento de 12 anos, demissão do trabalho e o falecimento de sua avó, até chegar à notícia de que estava com câncer de mama. “Quando o médico me deu esse diagnóstico, foi como uma pá de terra, para acabar comigo de vez”, relembra. 

Abatida diante de tudo que havia acontecido, ela passou por uma mastectomia com reconstrução imediata e começou seu tratamento de quimioterapia, que levou à perda dos cabelos, cílios e sobrancelhas. “Sempre fui muito vaidosa, mas não me incomodei de não ter os seios perfeitos [após a cirurgia]. Eu queria mesmo era salvar minha vida”, conta. 

“Quanto ao cabelo, procurei me divertir! Não me acostumei muito bem com peruca, então fazia lenços de todos os jeitos. Colocava um lenço preto e tentava levar aquilo com bom humor.”

A partir daí, as coisas começaram a se ajeitar novamente em sua vida. Passados bons meses sem sair para se divertir –, Mirela foi convidada por uma amiga para ir a uma festa. “Ela falou para eu ir de peruca, não de lenço, e disse: ‘Você ainda vai dar uns beijos!’. E foi isso o que aconteceu! Conheci um cara na festa e ele passou a noite toda elogiando minha peruca, dizendo que meu cabelo era lindo, sem saber. Eu não contei nada pra ele”, relembra. 

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“No final da noite, acabei falando e ele pediu meu telefone. Eu dei, mas com a certeza de que ele nunca me ligaria. Pensava: ‘Que cara vai querer sair com uma mulher enfrentando um tratamento tão barra quanto esse?’. Mas ele me ligou! Passei a sair com ele, a gente nunca mais se desgrudou e ele é meu marido até hoje!”

Percebendo que o câncer tinha direcionado sua vida a momentos tão importantes e transformadores, a redatora publicitária começou a escrever um livro contando suas histórias de uma forma leve e otimista. “Um dia conheci um editor que fazia livros de humor. Me apresentei e disse que estava escrevendo um livro sobre câncer. Ele falou: ‘Ah, que pena! A editora só publica livros de humor’. E eu disse: ‘Então vai dar certo, porque meu câncer está super bem humorado!’. Mandei um capitulo, ele gostou.”

Força Na Peruca! – Tragédias & Comédias De Um Câncer” fez com que Mirela não só ganhasse “quinze minutos de fama”, mas também pudesse se tornar inspiração para quem passava pelo mesmo que ela. 

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Essa matéria faz parte da edição de outubro de Boa Forma, que traz como tema o Outubro Rosa e conta com uma série de especiais sobre como cuidar da sua alimentação, corpo, saúde mental e autoestima antes, durante e depois do tratamento de câncer. Clique aqui para conferir os outros especiais dessa edição.