Paola Carosella: força e vulnerabilidade

por Larissa Serpa Atualizado em 13 abr 2022, 17h22 - Publicado em 13 abr 2022 09h50

“A Paola está na moda”. Foi uma frase que ela ouviu de uma amiga certa vez. Não no sentido de que ela estava usando roupas na moda, mas no sentido de que a própria Paola Carosella era tendência. Fica fácil encontrar motivos para esse interesse todo na cozinheira: pode ser devido à sua beleza, à sua personalidade forte, à sua acessibilidade. Mas — pelo que pude observar no dia em que passamos em sua casa fotografando para essa matéria — principalmente por uma coisa: sua vulnerabilidade.

Paola teve uma vida difícil: uma infância solitária com pais doentes, uma vivência pela ditadura militar da Argentina, um status de órfã cedo demais, uma luta para se firmar em um país como imigrante em uma profissão em que o respeito é direcionado a homens.

Mas nada disso fez com que ela se fechasse. Pelo contrário. Paola acredita que falar sobre suas dores é uma arma para fortalecer não só a si mesma mas a outras mulheres.

Em uma das entrevistas mais vulneráveis que já fiz em 13 anos de carreira (com uma das mulheres mais fortes que já conheci), ela conta sobre as dores e aprendizados da sua vida, sua recente separação e seu mais ambicioso sonho.

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)
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A construção da autoestima

As fotos ficaram lindas e eu vi que você se sentiu bem com sua imagem. Como foi, pra você, ao longo da vida, esse processo de se sentir bonita?

Eu tive uma infância e adolescência bem difíceis no sentido do relacionamento com meus pais, isso não contribuiu para a formação de uma boa autoestima porque você sente que sempre está no lugar errado, na hora errada. Na adolescência, eu nunca me vi como bonita. Eu era muito diferente do que era considerado o padrão de beleza e não se abraçavam outros exemplos de beleza nessa época, como acontece agora. A beleza era só uma: a da modelo da capa da revista super magra e pequena. Então, eu fui construindo uma autoestima com o tempo. Foi só depois dos 30 que eu fui entendendo que a beleza vem de vários outros lugares, não somente do jeito que você fotografa ou do jeito que a roupa cai em você, mas também da sua força e, uma vez que você percebe isso, você se enxerga diferente e se abraça. 

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Mas as pessoas te enxergam como muito bonita. Inclusive, você tem muitos adoradores, você acha que isso ajuda nessa construção da autoestima?

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É muito bom você se sentir tão amada e tão querida, mas também é um amada e um querida que vem de um lugar que você não entende porque elas não te conhecem e muitas dessas pessoas me amam só até eu falar a palavra errada. Isso acontece muito no Twitter, por exemplo. Tem umas pessoas que me amam até que eu poste uma coisa que elas não querem ouvir e, imediatamente, eu sou grossa ou “o sucesso subiu à minha cabeça” quando, na verdade, eu sempre fui a mesma pessoa, que tem suas nuances. 

Então, claro que ajuda na construção de uma autoestima quando você, ao longo de muito tempo e constantemente, vai ouvindo elogios, mas eu aprendi a filtrar isso. 

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A fama "sem querer"

O que você posta no Twitter muitas vezes vira notícia. Tem coisas que você evita expor ao público, pensando nisso?

Não. O que eu deixo aparecer da minha vida pessoal é o que eu quero falar. Até em entrevistas: eu me abro tanto, então acho que talvez parte das pessoas gostarem de mim vem até dessa acessibilidade. 

Mas esse jeito que eu me comunico vem exclusivamente dos meus desejos de comunicar aquilo naquele momento, não tem uma construção por trás. Eu não penso em um esquema, uma agenda, do tipo “às quartas-feiras, a gente vai botar você de maiô nas redes e, às quintas, falar de gravidez”, não tem nada disso.

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Você não escolheu uma profissão que tipicamente vem com a fama, ela veio “sem querer” pra você. Como você lida com esse interesse todo?

Cinco milhões de seguidores para uma cozinheira são muito seguidores! E, como você falou, eu não cresci querendo ser atriz e não sou famosa porque eu sou absurdamente bonita ou com um corpo absurdamente belo ou como um talento incrível para cantar… Eu sou uma cozinheira de outro país, órfã, que apanhou para chegar onde chegou, então talvez isso me deixe mais acessível às pessoas mas eu não deixo isso subir à minha cabeça. Eu estou ainda tentando entender como se lida com esse interesse todo. O que fazer com ele, como retribuir, sem deixar de viver minha vida por conta do interesse dos outros nela.

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A recente separação

Você recentemente passou por uma separação [em setembro de 2021]. Como foi essa decisão?

Eu lembro no dia que eu me separei de fato, que tomei a decisão. Eu tinha uma gravação no Saia Justa [programa do GNT] que não podia desmarcar, então eu cheguei e falei para as meninas o que tinha acabado de acontecer. E elas me falaram do dia em que aconteceu a mesma coisa com elas, todo mundo teve uma história assim. Elas foram tão amorosas e tão acolhedoras que eu tive uma sensação de que “bom, vai ser muito difícil mas me cercar de uma rede de mulheres fortes e inteligentes é muito importante”. 

Foi uma decisão “do nada” ou era algo que já vinha sendo pensado?

Não foi do nada. A gente teve dois anos muito difíceis e chega um ponto em que a gente tem que se perguntar até onde você tem que lutar por um relacionamento, até onde vale a pena sofrer? E eu lutei muito para esse relacionamento dar certo. Fiz tudo que estava ao meu alcance e mais. E eu sei disso por minha experiência e por testemunhas, pessoas que acompanharam esse processo e que uma hora até me falaram “acho que você já fez tudo que podia”. Eu acredito que ele também fez tudo que podia e tudo que estava ao alcance dele, mas tinham algumas coisas que eram muito difíceis de lidar.

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Você pode falar sobre elas?

O meu sucesso, o fato de eu ser feliz com a vida que eu tinha… Eu faço muitas coisas e eu gosto muito das coisas que eu faço e eu acho que isso incomodava muito ele. Ele não falava isso, mas esse incômodo chegava a mim na forma como ele se expressava, de uma maneira meio manipuladora, sabe? Que fazia eu me sentir mal por aquilo e eu me via numa situação em que eu tinha que falar pra mim mesma “espera aí, o que eu fiz de errado?” Por exemplo, um dia como o de hoje, em que tem um monte de gente tirando foto de mim para um veículo, deixava ele muito incomodado e aí, depois, vinha um pequeno maltrato, uma frase agressiva fora de lugar… Mas tudo sob um manto de “eu te amo”. E quando você está dentro disso e ama a pessoa, você não percebe muito bem o que está acontecendo, a manipulação. É preciso você olhar de fora, reparar no que está nas entrelinhas – que vistas de fora estão em letras bem grandes. Eu me separei e depois de 4 meses que muitas dessas “fichas” começaram a cair. 

Quando você está dentro você até cria desculpas para o comportamento da pessoa.

Sim. É muito difícil para um homem aceitar o sucesso de uma mulher, e você vai criando desculpas pela pessoa porque você ama ela, “putz, é difícil pra ele porque ele não trabalhou durante a pandemia”, “é difícil porque ele não é brasileiro e não fala português”… Só que eu também não sou brasileira e fiz um esforço para falar. Mas você vai tentando entender onde o outro está para ver como você pode ajudá-lo. Só que chega um momento em que você fez de tudo pra ajudar a pessoa a lidar com aquilo e o próximo passo seria você se limitar para não incomodar o outro. E eu sou feliz comigo mesma e trabalhei muito para minha felicidade. Eu não nasci em um berço feliz, com uma família feliz, não tive uma adolescência e uma juventude feliz… Pelo contrário, eu trabalhei muito pelas minhas conquistas. Eu tenho todo direito de ser feliz sem empecilhos. Eu não quero deixar de ser feliz para fazer espaço para o outro.

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A vida como solteira

O que você diria que mudou mais na sua vida como solteira agora?

Eu sou livre. E não falo pra me relacionar mas para as pequenas coisas, para colocar um “cheirinho” com palitinhos na sala, sabe? Essas coisinhas do cotidiano que viravam desculpas para ele descontar o incômodo pelas coisas maiores… Um pequeno assunto do cotidiano virava uma briga gigante sobre a forma de exercer a minha maternidade, por exemplo. 

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Você teve um tweet que chamou muita atenção, falando sobre mulheres serem melhores, que deixou muitas mulheres lésbicas ou bissexuais esperançosas. Qual foi o contexto ali?

[risos] Vou te contar a história daquele Tweet. Eu tinha saído no dia anterior com um cara e a conversa tinha sido um tédio. Depois, eu encontrei uma amiga incrível e muito interessante, muito inteligente e fomos para um aniversário em que encontramos outras mulheres incríveis, com histórias que davam vontade de ouvir, de saber quem eram. Elas estavam tomando conta da festa com um protagonismo que os homens não tinham. E foi aí que eu pensei que “é, mulher é muito melhor mesmo” e twittei aquilo. Eu fiquei impressionada com a repercussão desse tweet. as mulheres como sempre geniais nos seus comentários e provocações! Eu posso dizer que eu não tive até agora nenhum relacionamento com mulher e não me senti atraída por uma mulher, mas não é algo que eu descarto ou luto contra se um dia acontecer.

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Feminismo e maternidade

Você se tornou uma referência de mulher feminista mesmo sem se colocar nesse lugar. Da onde você acha que vem essa sua visão?

Eu lembro de quando eu era adolescente, de falar “nossa, não aguento as mulheres, quero ter amigos homens, eles são mais legais” e hoje é o oposto. Lembro de me diminuir na rua, andar encurvada para não ouvir comentários sobre meu corpo. Eu me escondia nas roupas, me escondia nos lugares. Mas a maturidade vai fazendo você ver que a construção machista faz até você sentir vergonha de ser bonita, alta e forte, do jeito que eu sou e era quando era jovem. A gente vive um momento em que enxergar essas coisas ficou mais fácil: você vê mulheres ocupando espaços, vê atos de sororidade, de mulheres apoiando mulheres, e você começa a olhar para isso de maneira mais clara. Hoje, eu quero me cercar de mulheres, quero trabalhar mais com mulheres… Eu aprendo muito com mulheres, me sinto acolhida, não me sinto invejada. Muito pelo contrário. 

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Sobre sua maternidade, não dá para falar dela sem falar da sua relação com sua mãe, que foi difícil. Com ela distante, da onde você diria que “aprendeu” a ser mãe?

É uma construção e das mais difíceis! Porque acho que é o único jeito que a gente aprende algo “naturalmente” sobre como ser mãe ou pai antes de ter filho é tendo referências. Então quanto melhor o relacionamento com a sua mãe ou quanto mais rodeada de bons exemplos de maternidade (de tias incríveis, por exemplo), melhor. Isso acaba criando uma bagagem que “passa pelos poros”. Mas eu tenho uma bagagem muito grande de relacionamentos muito dolorosos: meu pai tinha transtorno bipolar e era ausente e minha mãe era super depressiva e, por mais que ela fizesse esforço, não foi uma mãe amorosa. Eu cresci muito sozinha, com muita solidão. Minha mãe nunca chegava antes das 11 horas da noite e ia embora às 7:30 da manhã. Nos finais de semana, ela se trancava no quarto por conta da depressão. Ser mãe já é difícil sempre, imagina se você não tem nenhuma referência… Eu fui atrás de muita ajuda: com terapia para mim, terapia para minha filha, terapia para mim com a terapeuta da minha filha… Muitos livros, dicas de amigas, muitos perfis no Instagram que falam de maternidade.

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Como você concilia seus projetos com estar presente?

Eu trabalho muito mas, quando saí do Masterchef, eu comecei a trabalhar mais em casa. Agora eu gravo o programa [do seu canal no YouTube] aqui, meu escritório é aqui. Então eu tento fazer essas coisas e sair quando a Fran [sua filha] está na escola. Geralmente, a partir das 17h30, eu estou aqui e faço questão de jantarmos juntas todos os dias, acordar juntas, passar as férias juntas. E também tem algo que eu reparei outro dia que é que nossa casa está sempre cheia de gente. Não somente a Leide, que trabalha aqui em casa, mas também as meninas da produtora, a Bárbara, que grava meu canal, até minha amigas que vêm fazer academia aqui em casa (elas têm a digital já registrada para entrar direto). E eu lembro muito da minha solidão na infância, eu lembro que é horrível ficar sozinha então criei uma realidade diferente para mim e minha família.

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)
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Carreira e projetos

Nossa sociedade diz que lugar de mulher é a cozinha, mas na hora de se profissionalizar na cozinha, o respeito ainda é mais direcionado aos homens. Como foi pra você se impor nesse ambiente?

É que eu sou muito ambiciosa, eu queria muito conquistar espaços, então eu nem ficava olhando muito para esses empecilhos. Mas, com certeza, teve todo tipo de abuso que você possa imaginar, desde mão na bunda até me mandarem calar a boca. 

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

A gente de fora tem uma visão que o ambiente de uma cozinha é muito abusivo, até por certos programas de TV. Como é nas suas cozinhas?

Eu venho construindo desde o início para organizar ambientes em que ninguém precisa gritar com ninguém. Às vezes tem umas chamadas de atenção, como em qualquer lugar que trabalhe com tensão, com o imediato, um restaurante é assim. Mas nunca gritando ou sem faltar com respeito. Eu gosto tanto de trabalhar na cozinha que eu criei um ambiente saudável para ser uma boa experiência. Isso que a gente vê na TV é um pouco exagerado. Obviamente existem lugares assim, mas também existem cozinhas muito saudáveis, só que essas relações boas não são interessantes para se tornar um programa de TV. 

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Eu percebi, até mesmo nesse shooting, que você é uma pessoa que gosta de se envolver em seus projetos, não ser apenas “o nome por trás”. É assim em todos os seus trabalhos?

Eu adoro me envolver. Eu vou fazer 50 anos esse ano, então eu tenho um bom olhar sobre as coisas e eu sei como as pessoas me enxergam e como eu gostaria de ser enxergada, então acho que tenho direito de cuidar dessa narrativa que me envolve. Em partes é isso e em partes é o fato de eu não ter uma equipe grande. No canal do YouTube, por exemplo, somos 3 ou 4 pessoas, então eu faço várias etapas do processo, desde as compras para a receita, escrever a receita, roteiro, apresentar… 

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Alimentação e cuidados

Você fala muito no seu canal e em outros veículos sobre a importância da alimentação de verdade e acessível. Por que essa é uma pauta tão importante pra você?

Eu não consigo olhar para uma conta que não “fecha” e aceitar. Muita gente continua vivendo feliz sabendo que tem milhões passando por situações horríveis e é uma maneira deles de lidar, de tocar a vida, mas eu não consigo. É difícil, né, você tem que ter um equilíbrio porque você precisa continuar vivendo mas se tem algo que você possa fazer a respeito, eu acho que a gente tem que fazer. E, para mim, me manifestar sobre o fato de que a comida fresca está mais cara que algo processado é quase uma obrigação. Porque eu sei de onde vem esse preço. Eu sei que não tem nada a ver com o que as pessoas falam nas redes sociais, não vem da inflação própria da pandemia que atingiu o mundo inteiro, vem de políticas que vêm beneficiando um certo grupo. 

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

A maneira como os alimentos são plantados e comercializados impactam a forma como a sociedade se organiza como um todo. Além da alimentação saudável implicar na saúde do indivíduo, não só no impacto que os nutrientes têm na saúde mental, mas até no momento de cozinhar, porque você precisa dedicar um tempo ali, fazer algo com as mãos, se sentar em algum momento para comer.

Então é algo que influencia demais a vida das pessoas e da sociedade.

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Como entram os exercícios na sua parte de cuidados?

Eu só comecei a fazer há um ano e meio. Eu tô mais organizada agora porque eu sempre trabalhei muito. Ser dona de restaurante implica você trabalhar das 7 horas da manhã à meia-noite todo santo dia. E aí entrou o Masterchef e eu comecei a gravar enlouquecedoramente todos os dias. Agora que trabalho em casa e posso ter uma rotina, eu comecei a fazer exercícios três vezes por semana e eu não abro mão, eu vejo que o impacto na minha saúde mental tem sido incrível.

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Seu ambicioso sonho

Depois de tudo que você já conquistou, você tem algum outro grande sonho na sua vida?

Eu tenho muitos sonhos mas eu acho que o maior deles é chegar um dia aos 65, 75 anos e não carregar em mim de jeito nenhum o peso de uma mulher velha, jamais me comparar a uma jovem. E isso é um grande desafio porque a gente tem, na sociedade, um culto à juventude que é muito forte. Mas meu sonho é ser livre e viver em plenitude com a minha idade, com as minhas conquistas e com as coisas que eu vou ter em volta. Nesse momento, eu acho que esse é um sonho bem ambicioso.

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

SOBRE O SHOOTING

Direção de arte: Kareen Sayuri

Foto: Nani Rodrigues, com assistência de Marcos Lôndero

Styling: Dani Nucci

Beleza:
Carolina Mel

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Paola veste: Vestido branco My Basic / Top verde Dolps / Calça branca Dolps / Regata branca Hering

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Essa matéria faz parte da edição especial de abril 2022

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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)
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(Nani Rodrigues/BOA FORMA)

Paola Carosella na capa de Boa Forma

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