Anavitória: comprometidas com a felicidade
Ana Caetano e Vitória Falcão quebram padrões para encarar todos os ciclos e desafios sem perder o contato com a beleza da vida
No topo de um prédio do centro de São Paulo, Ana Caetano e Vitória Falcão buscam um trechinho de céu azul para conseguir a foto mais bela. Quando o tempo fecha e uma nuvem vem, elas correm para o outro lado em busca de alguma brecha. O momento é de trabalho, repleto de dedicação e profissionalismo, mas também de alegria, como as risadas não deixam de revelar. Nos bastidores da capa da Boa Forma de agosto, a cena retrata bem o momento das Anavitória: as artistas estão comprometidas com a felicidade. “Nesses últimos tempos, a gente flertou muito com a tristeza, só que é cansativo. É tão motivador você se colocar para a alegria”, fala Ana. “A tristeza não te leva para lugar nenhum, ela só te impede. O ato de ser feliz te transforma e transforma o outro, é nesse lugar que a gente consegue fazer diferente”, completa Vitória.
O compromisso passa longe da pretensão de ser “good vibes” o tempo todo. Com maturidade, elas experimentam todas as emoções, dos momentos mais melancólicos aos extasiantes, respeitando cada fase. Mas a permissão para descobrir um novo ritmo, menos corrido, trouxe a clareza do papel do bem-estar. “A gente se encontrou com a nossa cabeça e o nosso corpo de uma maneira que nunca tinha se colocado”, diz Vitória. Ela percebeu que sua sensação de alinhamento vem quando está se cuidando: indo para a terapia certinho, fazendo boas escolhas alimentares, acolhendo os sentimentos diante de acontecimentos dolorosos… Quando algo destoa, redobra a atenção: “Senão você começa a se sabotar.”
Ana também percebe a multiplicidade de fatores que impactam na sua sensação de estar bem consigo mesma. E acrescenta o recém-descoberto poder da rotina: “Eu descobri a minha paz de espírito dentro de uma rotina. Sempre estávamos na estrada, indo de uma cidade para a outra, mas entendi que ter horário para acordar, para me alimentar, me faz bem, mais aterrada”.
QUARENTENA COMPARTILHADA E CRIATIVA
Durante a pandemia, Ana e Vitória moraram juntas em uma casa em Itaipava, na região serrana do Rio de Janeiro. Foi nessa convivência singular que concluíram o álbum Cor, lançado no início deste ano de 2021. A faixa de abertura, Amarelo, Azul e Branco, chega com impacto: “ Deixa eu me apresentar/ Que eu acabei de chegar/ Depois que me escutar/ Você vai lembrar meu nome/ É que eu sou dum lugar/ Onde o céu molha o chão/ Céu e chão gruda no pé/ Amarelo, azul e branco”. É uma referência ao Tocantins e ao Norte do Brasil, de onde elas vêm.
Muita coisa mudou desde a saída da dupla de Araguaína. As indicações e vitórias no Grammy Latino, a produção do filme de ficção Ana e Vitória (2018) e do documentário Anavitória Araguaína Las Vegas (2019), o sucesso nas plataformas de streaming e nas redes sociais e as parcerias com grandes nomes da música são alguns dos bons exemplos. Lenine fecha o disco com Lisboa e Rita Lee, depois de muito tempo sem gravar, topou estar na primeira canção do álbum, recitando um texto de Simone de Beauvoir: “Ao meu passado, eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele”.
DISCIPLINA E FLEXIBILIDADE
Ana e Vitória têm se permitido cada vez mais liberdade. Elas já haviam morado juntas no início da carreira, mas a experiência de buscar estar perto de pessoas queridas para encarar a reclusão da pandemia intensificou as nuances da experiência. Seus ciclos hormonais, por exemplo, se igualaram. “É o que acontece quando mulheres moram juntas. Daí todo mundo já sabia qual era o dia que era de fazer brigadeiro, de ficar quietinha”, contam elas (leia a matéria sobre a relação de atletas com a menstruação aqui).
Mais perto uma da outra, o incentivo para fazer atividade física também estava garantido. Ambas gostam de funcional e dividem o mesmo personal. Ana curte também corrida e Vitória, o yoga. Disciplina não é palavra de ordem para nenhuma das duas. Quando estão em um projeto, fazem o que for preciso para que ele aconteça. Para a última gravação, fizeram um intensivão com a fonoaudióloga Janaína Pimenta, e sentiram a diferença no resultado final. “A voz fica em outro lugar quando você cuida, faz os aquecimentos”, diz Ana. No dia a dia, porém, não mantêm as aulas com rigor.
A combinação de determinação e flexibilidade está presente também em afazeres mais cotidianos, com a alimentação. Cozinheira oficial da dupla, Vitória é quem domina as melhores receitas. “Sou vegetariana há um tempo. Queijo é uma coisa que eu adoro. Não me faz tão bem, mas não é sempre que consigo ficar sem. Agora um macarrão instantâneo? Também acontece às vezes”, brinca. Para Ana, a barreira com a cozinha acaba sendo o perfeccionismo. “Ela pica tomate como se fosse cubismo, esquece que ele vai cozinhar e desmanchar na panela”, entrega a amiga, rindo.
PADRÕES PARA QUÊ?
Hoje com 26 anos, elas olham para o delicado período da adolescência e percebem que sempre lidaram com a pressão de padrões estéticos. “O padrão vem em fases. Teve a fase da menina bombada, a fase da menina mais magra. Eu ficava louca na academia porque queria ficar pernuda e era muito magrelinha”, lembra Ana. “Hoje a gente consegue falar mais da diversidade da beleza e de fato achar bonito corpos diferentes. Mas ainda me vejo muitas vezes numa luta com a auto-estima baixa. Mas comparado com o que já foi um dia, acho que já está mais fácil.”
Vitória enxerga camadas e camadas de complicação neste tópico. “É sempre no nosso corpo”, diz sobre a briga quase desleal que as mulheres enfrentam. São filtros e outras intervenções que mexem com a maneira como nos vemos. “Uma das coisas que eu fiz foi procurar outros corpos para ver. Antes as mulheres eram colocadas sempre perfeitas na capa, sendo que esse perfeito era retocado, com mil Photoshops”, fala Vitória. “Sempre que me questiono sobre meu corpo eu penso ‘Vitória, você nem foi feita para se ver’. Nós que inventamos espelho, foto. A gente foi feito para se ver no outro”, acrescenta, poeticamente.
Depois que a carreira artística decolou e elas ficaram conhecidas, a relação com a própria imagem também foi questionada. “Isso dá uma bugadinha na cabeça, surgem inseguranças. Me vi presa e depois me resgatando”, conta Ana. “As pessoas dizem ‘como você está linda’, ‘como você está magra’. Você acaba se aprisionando nesses elogios. Meça seus elogios, parça”, completa Vitória. E continua: “Boto muita fé que a mulher tem que ser o que ela quiser. Mas nesse sistema que o nosso corpo tem que estar como produto, que existe um mercado colocado, nem sempre as escolhas são livres. Quantas amigas não se arrependeram de ter feito muitas coisas estéticas?!”.
FORMAS DE DESCOMPRESSÃO
Diante de tantas pressões, onde encontrar repouso? Há dois anos, Ana começou a fazer cerâmica – hoje uma das suas formas favoritas de buscar presença e relaxamento. Acabou conquistando a atenção de Vitória, que também embarcou no hobby. “É uma coisa tão viva que nem tem essa de resultado bom ou ruim, é muito intuitivo”, diz Ana. “Tenho momentos de não fazer nada que eu amo muito. Gosto também de ver filmes, desenhar, pintar, brincar com o ukulele”, diz Vitória.
O próprio processo criativo de desenvolvimento das canções é a maior fonte de satisfação. No álbum O Tempo É Agora (2018), a tristeza foi um veículo para a composição. “Falei das minhas dores. A tristeza e o drama têm uma poesia. Mas usar da tristeza e viver da tristeza é diferente. Compor é um movimento alegre, de muito tesão, mesmo quando estou escrevendo sobre algo triste, a ação é feliz”, conta Ana. Recentemente, um novo elemento entrou na rotina de Ana para quebrar com a rotina, e trazer mais doçura. É o Manteiga, seu cachorro. “Estou num mês totalmente desregrado desde que ele chegou na minha vida. Mas ele é só alegria.”
PLANOS PARA O FUTURO
Tanto Ana quanto Vitória já tomaram a primeira dose da vacina da Covid-19 – e choraram de emoção e alívio com as possibilidades que se abrem com o avanço da imunização da população. Não há data ainda para retorno dos shows presenciais, mas a expectativa otimista é que seja no primeiro semestre do ano que vem.
Os próximos lançamentos ainda são segredo, mas uma coisa elas deixaram claro para o empresário Felipe Simas e a produtora e diretora Isadora Silveira: querem um longo tempo de imersão para os próximos álbuns. “Eles vão ter que dar um jeito nessa agenda”, divertem-se. “Se entramos no piloto automático, ele nos faz perder a capacidade de ver a magia. As coisas boas vêm desse tempo de vivência e conexão.” Para nossa sorte, partilhar dessa sensação e entrar em contato com a beleza da vida está a um play numa música de distância.
CAPA
Foto: @brenogaltier
Make: @nayarazolli
Agradecimento: @simasfelipe e @isaahsilveira
Esse especial faz parte da edição de agosto de 2021 de Boa Forma,
que traz a dupla Anavitória em sua capa.
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