Como as redes sociais podem causar distúrbios alimentares?

A vida perfeita e instagramável de personalidades e a falta de amor próprio pode ser uma combinação desastrosa

Por Amanda Ventorin
Atualizado em 21 out 2024, 16h37 - Publicado em 1 jun 2022, 10h00
disturbios alimentares e redes sociais
 (KoolShooters/Pexels)
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Segundo dados da OMS, cerca de 4,7% da população brasileira sofre de transtornos alimentares.

A incidência é maior entre o público feminino, com sete a oito mulheres para cada homem diagnosticado com algum tipo de distúrbio alimentar. Entre os adolescentes, o índice chega a espantosos 10%.

O nome psiquiátrico correto para transtornos alimentares é transtorno dismórfico corporal, segundo a psicóloga Camila Puertas, e são aqueles que geram uma distorção na imagem corporal e uma mudança severa no regime alimentar – como a anorexia, vigorexia, bulimia e ortorexia. Além disso, surgem novas patologias, como a ortorexia (a obsessão por uma alimentação saudável) ou a embriaguez (combinação de jejum/compulsão alimentar com abuso de álcool). Muitas vezes,  eles estão associados a outros distúrbios psiquiátricos ou complicações físicas graves. No entanto, de acordo com a profissional, apenas uma pequena porcentagem de pessoas que sofrem dessas condições pede ajuda.

NÃO É PORQUE A DIETA VEIO DO NUTRICIONISTA QUE NÃO VAI CAUSAR PROBLEMAS

Os transtornos alimentares, em geral, começam com uma grande insatisfação em relação à própria imagem corporal que pode gerar uma mudança do comportamento alimentar. “Entre os especialistas, costumamos dizer que todo transtorno alimentar parte de uma dieta que parece inofensiva e que, inclusive, pode começar com o acompanhamento de um profissional da saúde”, compartilha a psiquiatra Malu de Falco.

“Quando falamos em transtornos alimentares, é importante a compreensão de que é necessária aceitação pessoal, e não apenas body positivity. Isso pode soar polêmico, mas é importante frisar que a falta de consistência em um seguimento alimentar ou dietas restritivas não acompanhadas podem representar um grande risco, principalmente em adolescentes e adultos jovens, com maior prevalência no sexo feminino”.

Alguns comportamentos alimentares disfuncionais que podem ser identificados precocemente e servem de exemplo são:

  • Apego à restrições alimentares específicas e inflexíveis;
  • Medo intenso de ganhar peso;
  • Atividade física extenuante como mecanismo compensatório, ou seja, após refeições mais abundantes ou copiosas a pessoa se exercita em excesso para queimar calorias;
  • Maneiras que visam impedir a absorção de nutrientes – vômitos induzidos que podem causar calos nos dedos, uso de laxantes ou abuso de medicamentos de controle especial para emagrecer;
  • Hábito de mudar os alimentos de posição no prato durante as refeições, mas comer muito pouco;
  • Pesagem diária e medidas diárias com o intuito de avaliar perda de peso;
  • Episódios de comer descontrolado/compulsivo que podem ser seguidos ou não de episódios purgativos e que geram sensação de falta de controle, culpa, arrependimento e mal estar físico;
  • Comer escondido de outras pessoas por vergonha.
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COMO AS REDES SOCIAIS PODEM CONTRIBUIR PARA DISTÚRBIOS ALIMENTARES

Quando se trata de redes sociais e internet, não podemos esquecer que muitas pessoas, em especial atualmente, utilizam as plataformas como ferramenta para monetizar a sua própria imagem. Por essa razão, uma parcela importante já fez ou faz uso de técnicas e táticas para alcançar o padrão de “perfeição” (desde edição de imagens até a realização de harmonização facial e cirurgias plásticas). “É esse padrão de perfeito que pode disparar um gatilho para aquele que sofre com algum transtorno mental, já que, existe nesse indivíduo uma forte sensação de não pertencimento e inadequação do seu próprio corpo. Assim como conviver diariamente com intensas críticas e comentários sobre o seu corpo e padrão alimentar formam um ambiente nocivo em relação a saúde mental, o ambiente online dispara a mesma problemática” alerta Camila.

Isso pode desencadear uma vontade imediatista de “fazer parte”, provocando um ciclo intenso de consumo de conteúdos como receitas milagrosas para alcançar o corpo perfeito, a expansão da ideia do quanto uma cirurgia plástica proporcionou sucesso e bem-estar. Ou seja o tipo de conteúdo que as pessoas consomem na internet tem uma relação direta com as disfunções do humor e podem, sim, despertar ou piorar condições preexistentes do indivíduo. 

Na sociedade atual, há cada vez menos espaço para autoaceitação e desenvolvimento de outras qualidades fora da apar~encia física, enquanto o investimento em tratamentos de vários tipos para mudar o corpo, considerando-o como um objeto que pode-se manipular, ou como uma ferramenta para atingir objetivos. “Especialmente os jovens, hoje, são condicionados pelo mito da beleza e pelos cânones impostos pelos jornais, TV e mídia, que exigem beleza virtual sem originalidade. A sociedade atual dá uma importância considerável à aparência, até se pensa que ser “belo” pode fazer uma pessoa alcançar a felicidade, o amor e o sucesso” aponta a profissional. “Os meios de comunicação de massa mostram ícones de perfeição e ideais de beleza quase inatingíveis e fazem acreditar que alcançá-los seria o mesmo que se sentir realizado; subestimando assim outros valores como felicidade, família e amizade”.

A profissional alerta que, durante a adolescência, é necessário ainda mais atenção sobre o que se consume nas redes. Isso acontece porque ela é considerada um período de pleno entusiasmo, mas também de tormento, que resultam em lutas diante do espelho diante das diferentes formas de “decorar” um corpo repentinamente novo.”Este é um terreno particularmente fértil para o aparecimento de patologias como depressão, dismorfobias, distúrbios alimentares e outras patologias”.

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Ainda que a maior parte dos estudos sobre a relação entre as redes sociais e auto aceitação seja correlacional (ainda não é comprovado cientificamente que o Facebook faz com que alguém tenha sentimentos negativos sobre sua aparência ou que as pessoas que estão preocupadas com a aparência têm mais probabilidade de usar o Facebook), uma revisão sistemática de 20 artigos publicados em 2016 na revista “Body Image”, apontou que atividades baseadas em fotos, como rolar a tela do Instagram ou postar fotos de si mesmo, quando acompanhadas de pensamentos negativos sobre o próprio corpo, são particularmente problemáticas. “Ou seja, a insatisfação com a sua imagem e a forma como você constrói o seu ambiente, seja ele online ou físico, podem aumentar os riscos para desenvolvimento de psicopatologias” explica Camila.

COMO TRATAR UM DISTÚRBIO ALIMENTAR

Malu de Falco, psiquiatra, explica que o tratamento é complexo e precisa ser bem conduzido por equipe multidisciplinar. T”alvez seja a parte mais difícil de explicar ao paciente – um profissional sozinho não pode conduzir sozinho o tratamento, é necessário que ao menos o envolvimento da psiquiatria, nutrição com viés comportamental/holístico e psicologia”.

Em geral, o transtorno alimentar pode vir com outras comorbidades psiquiátricas, como depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, transtorno bipolar, entre outros. A profissional explica que é necessário passar por uma avaliação e que acima de tudo, é importante o desenvolvimento da consciência acerca da própria condição e o ensejo de tratar, já que a mortalidade de alguns transtornos chega a 10%.

Quando o assunto é nutrição, a nutricionista Mariana Nacif explica que não há uma regra única. Para cada tipo de distúrbio alimentar apresentado, o tipo de tratamento muda. “O que não usamos de forma alguma são dietas restritivas! Existem algumas ferramentas que usamos como o mindfuleating, alimentação intuitiva, diário alimentar, consultas semanais ou quinzenais e etc”.

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COMO CONSUMIR AS REDES SOCIAIS DE MODO SAUDÁVEL

É importante ter em mente que o cérebro entende a tela como uma extensão dele e que os estímulos ali estabelecidos não são diferentes ou menos intensos que estímulos da vida real, ainda que não envolvam relações interpessoais. “A universidade de Yale tem um curso sobre a lógica positivista e felicidade em que demonstram a tendência do ser humano em traçar referenciais de felicidade incoerentes com a própria realidade e estilo de vida. Em um ambiente de rede social hoje você circula abertamente entre espaços que fogem da realidade da grande média das pessoas – o que torna uma comparação inadequada e injusta” explica a psiquiatra, “Ninguém vê os bastidores, isso causa desconforto. A comparação desmedida da autoimagem com o corpo ideal instagramável é injusta e na maioria das vezes vem com receitas prontas que são vendidas”. O corpo ideal pode ser vinculado a produtos e mercadorias, receitas prontas, treinos prontos e acessíveis mas que não levam em consideração um princípio básico da medicina: cada corpo é um corpo, com sua resposta individual e parâmetros individuais.

Para ter uma relação saudável com as redes, é importante entender primeiramente que elas são uma vitrine e você escolhe o que vai comprar – o conteúdo que você escolhe consumir tem um preço. Trabalhe a autoaceitação e evite comparações, caso siga perfis que te geram angústia, ansiedade ou desconforto vale fazer uma limpa e manter apenas conteúdos que agregam.

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