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Treino 3D - Corpo, Mente e Espírito, com Samorai

Bacharel em esporte, Samorai (@samorai3d) é criador do método de treinamento 3dimensional para reabilitação, prevenção e tratamento de lesões e performance. Aqui, auxilia praticantes e treinadores na busca por harmonia.

Não promovemos a cura

Por Samorai
Atualizado em 21 out 2024, 22h28 - Publicado em 21 jul 2021, 11h31
Reabilitação: "Nosso corpo tem uma capacidade incrível de se curar, mas atrapalhamos o processo"
Reabilitação: "Nosso corpo tem uma capacidade incrível de se curar, mas atrapalhamos o processo" (Carl Barcelo on Unsplash/BOA FORMA)
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Hey folks, trabalho com reabilitação desde 1997, quando tive a oportunidade de participar de um processo de reabilitação de uma aluna com hérnia de disco. Isso faz bastante tempo já, 24 anos. E nesse tempo todo já foram centenas de processos de reabilitação que estive envolvido, mas preciso confessar uma coisa. Eu nunca curei ninguém. Sim, nem eu, nem ninguém. Digo isso porque não acredito em cura externa, só em autocura.

O curioso é que todo dia saio da minha cama para trabalhar com alguém em reabilitação. Estudo todos os dias sobre isso. Falo para milhares de pessoas em redes sociais e viajo o país inteiro dando cursos e ensinado sobre reabilitação. E o que eu ensino a eles? Entre tantas coisas, que nem eu, nem eles curamos ninguém. Apenas nós mesmos. E acredito muito nisso sob diversas óticas. A primeira é que funcion. Se não tivesse, não teríamos chegado até aqui como humanidade, porque na antiguidade não existiam médicos, hospitais, cirurgias. Se chegamos até aqui, foi porque nosso corpo é muito competente em lidar com seus problemas. Se tenho um roxo no braço, por exemplo, o que preciso fazer para ele ir embora? Nada. É só eu não atrapalhar que ele vai embora. E é aqui que mora o problema. Somos peritos em atrapalhar e sabotar nosso corpo.

Obviamente, você pode estar pensando que não é bem assim. Que quando um músculo se rompe e perde o contato uma parte com a outra, ele não se curará sozinho, mas se eu unir uma parte à outra, ele cicatrizará. Isso realmente é verdade, no entanto, o processo de cicatrização é feito pelo corpo. Se eu cortar um mamão ao meio e unir as duas partes separadas, elas não cicatrizarão, porque o mamão, ao contrário do músculo, não tem essa capacidade. Então, mesmo com uma cirurgia, o músculo só reestabelece sua capacidade funcional porque ele se cura. O que fazemos, seja o cirurgião, o fisioterapeuta, os curandeiros do passado ou eu mesmo, é criar uma condição para que a cura se estabeleça. Até no exemplo que acabei de citar. Ao unir as duas partes de um músculo, crio essa condição. Sem ela o corpo seria incapaz dado a natureza do problema. Pensando dessa forma, ao invés de curar alguém, eu crio as condições, logo me torno um facilitador e não um curador do processo.

A importância desse olhar é gigante, porque começo a ouvir, ver, sentir o corpo de quem vem trabalhar comigo. Quando tenho esse olhar, me relaciono com o corpo do outro e me abro a todas as informações e possibilidades que ele me traz. Se não tenho esse olhar, é como se eu já soubesse de tudo isso. E aí só faço o que sei e, além de não aprender nada, se não der certo o que tentei, não sei o que fazer. Por isso esse olhar é essencial.

Sempre costumo dizer que sou um companheiro na jornada do meu aluno, mas o processo de cura é, antes de tudo, responsabilidade dele. Até porque, tem um outro fator que importa muito. A cura se dá em corpo, mente e espírito. Hipócrates, o pai da medicina, costumava dizer que antes de curar alguém, preciso me certificar de que essa pessoa está disposta a abrir mão de tudo aquilo que a deixa doente.

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Bom, se a pessoa precisa participar desse processo, então não curamos ninguém. Ela abre mão do que faz mal a ela, no máximo você ajuda nesse processo e o resto o corpo faz. A pessoa faz. Gosto muito desse olhar, porque o aluno deixa de ser paciente e se torna agente. Ele contribui com o processo. Ele entende que ele faz parte e que preciso dele. Todas as pessoas são singulares e ninguém melhor que elas mesmas para conduzir um processo que está tão intimamente a elas relacionado.

Eu sei que é gostoso falar que curei alguém. Massageia meu ego. Mas, gosto de dizer que não estou nesse mundo para ser personal, pai, atleta, professor. Estou nessa jornada para sair daqui melhor do que entrei e um dos maiores desafios será pregado pelo meu próprio ego. O que mais vai atrapalhar essa jornada serão as armadilhas por ele criadas. Tento evitar ao máximo, mesmo sabendo que não vencerei essa batalha. Porém, pensando assim, seguirei minha jornada sempre aprendendo com todas as pessoas que, por algum instante, dividem a delas comigo. Caminhamos juntos. Eu com meus conhecimentos e elas com os delas, que unimos e criamos condições cada vez melhor de nos curarmos, porque a cada dor de um aluno que vai embora, eu também me curo. Em cada relação humana estabelecida, eu me torno melhor.

Acho que ainda assim pode não estar tão claro, então vamos aos exemplos e eles podem ser diversos. É comum dizer que tal médico realizou o parto de uma mulher. Mas, a verdade é que os únicos elementos necessários para que aquele parto acontecesse são a mãe e o bebê. Se eles não estivessem ali, não teria aquele parto. O médico pode ter sido um facilitador, contudo, muitas vezes, mesmo que ele não estivesse ali, o parto aconteceria. Isso traz para a mãe um empoderamento e a transforma para a jornada que estará por vir. Mesmo que o parto tenha sido de altíssimo risco e houve verdadeiramente a necessidade de uma cesárea, o médico ali criou condições para que o parto acontecesse, com todo seu recurso e sua sabedoria. No entanto, o bebê e a mãe ainda eram os elementos mais necessários. Isso não tira a importância do médico e nem a minha quando digo que não promovo a cura. Essa é nossa função. Ser um servidor de um processo que é mágico por si só.

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Outra coisa que sempre falo em minhas aulas é que só há um elemento essencial em todo processo de reabilitação: que a pessoa que está buscando a reabilitação acredite que possa se reabilitar. Se ela não acredita, não há nada que eu possa fazer. E eu passo isso aos meus clientes. Além de mostrar a eles a parte deles nesse processo. Por exemplo, se quer melhorar uma dor nas costas, precisamos trabalhar a harmonia do corpo dele que se quebrou e com isso gerou a dor nas costas.

A minha parte é tentar ajudá-lo a “ouvir” esse corpo e analisar de fora o que vejo, sinto e percebo. Porém, a parte dele é imensa. Ele deve participar ativamente. Seja nos movimentos, nos exercícios, na gentileza com esse corpo, na alimentação, porque um corpo para ter recursos de cura, precisa da energia vinda dos alimentos naturais e saudáveis, precisa trabalhar a gratidão, porque esse processo de cura se dá no coração também. Se ele se revolta por estar com essa dor, sente-se injustiçado, ele gera menos condições para o corpo, libera hormônios que impactam negativamente na cura. Precisa descansar também. Porque o corpo precisa dessa ajuda para cumprir o seu trabalho. E isso só vai acontecer quando entendermos que a responsabilidade é sua, não minha. Isso é entender que em um corpo 3Dimensional, todas as partes afetam o todo.

A minha definição de reabilitação é dar autonomia e essa autonomia se dá realizando um passo de cada vez. Esse passo pode vir do corpo, da mente e do espírito. Quando entendemos isso saímos desse ciclo negativo e começamos a caminhar. E quando damos um passo, mesmo que pequeno, mas constante, o tempo joga a nosso favor. Muitas pessoas chegam até mim desiludidas. Falam que o que elas têm não tem cura. Contudo, se a reabilitação se dá por pequenos passos em busca de uma autonomia 3D, ninguém é incurável, e ao acreditar nisso tudo muda. E uma dor ou uma lesão, vira uma mola propulsora para uma vida nova, melhor, mais saudável, mais verdadeira.

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Para isso precisamos ressignificar essa dor, essa lesão. E entendê-la como parte da sua jornada de evolução é libertador. Ao longo da minha vida profissional vi muito isso. Pessoas que cresceram e melhoraram em todos os aspectos a partir de uma dor. E por meio dos caminhos que percorremos juntos, elas me curaram.  E não eu as curei. Elas não têm mais as dores, são mais autônomas e têm por mim uma gratidão incrível. Falam para todos que as curei, mas mal sabem elas que, ao se transformarem, deram à minha vida um significado, e assim, seguramente, sairei melhor do que entrei. Como diria Socrátes, “só sei que nada sei” e, parafraseando-o digo: só sei que ninguém curei. Apenas a mim. Não promovo a cura. Me curo.

Forte abraço,

Samorai

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