Giovana Cordeiro: “tenho medo de não ser aceita, tento desconstruir isso”
Em entrevista exclusiva, a atriz resgata seu processo de autoconhecimento, desde a busca por entrar nos padrões, à decisão de quebrá-los
Giovana Cordeiro é a nova protagonista da novela das 19h. Um feito incrível, mas que também vem com algumas autocobranças. “A gente está sempre buscando ser amada, sempre buscando ser acolhida. Queremos que as pessoas gostem do que a gente está fazendo, que gostem do personagem e tudo mais”, diz ela quando indagada sobre seu maior medo — spoiler, é não ser aceita.
Mas a atriz tem feito alguns trabalhos para cuidar dessa pressão auto imposta. Terapia, alimentação em dia, treinos e até alguns rituais holísticos fazem parte da rotina da carioca de 26 anos, que já tem um conhecimento incrível sobre si mesma.
Em nossa conversa – que a certo ponto se tornou uma troca de experiências de transacionada para transacionada, já que Giovana é dos nomes mais lembrados quando se fala em beleza cacheada e no “boom” das transições capilares –, Giovana resgatou todo seu processo, desde a busca por entrar nos padrões, à decisão empoderada de quebrá-los.
Confira a seguir!
Cuidados de dentro para fora
Você está em um momento bastante atarefado da sua carreira. Como você balanceia isso? O que faz você se sentir bem, em paz?
Para mim é conseguir ter organização no funcionamento da minha vida. Isso me dá muito bem-estar. Se a minha casa está em ordem, eu respiro melhor, eu fico mais tranquila, eu consigo colocar as minhas ideias no planejamento do dia. A partir dessa ordem espacial, eu construo a ordem interna que, para mim, é muito importante. Senão, eu me atropelo. Tem também o bem-estar de tirar um tempo para treinar, que é uma coisa que me faz muito bem e que eu sinto bastante falta de estar todo dia ali fazendo, me alimentar bem e até parar para cuidar da minha energia. Adoro tomar banho de ervas, fazer uma transformação na casa, tirar um dia para trabalhar com as cores. Eu tenho uma luz colorida aqui em casa, então, trabalho a cromoterapia. E, para tudo isso, eu preciso de organização. Então, eu acho que, para mim, a organização traz um bem-estar surreal.
Você faz terapia?
Tirar uma hora da minha semana para fazer terapia é importante para mim. É um momento meu, um momento que eu vou filtrando também tudo que aconteceu ao longo dessa semana. Terapia pra mim é fundamental. Também trabalho muito a minha fé. Toda semana também tiro um momento pra cuidar de mim, pra me conectar com a minha fé, minha religião, da forma que eu acredito e que me faz bem. E aí, dentro da minha casa, eu tenho os meus rituais, mas isso já fica meio na minha rotina do dia a dia. Sou muito mística, acredito em muita coisa. Uso os óleos essenciais também para tranquilizar e relaxar. Às vezes, um ho’oponopono no caminho pra ir pro trabalho, vou filtrando também as coisas que eu estou pensando.
O treino físico entra nesses cuidados?
Sim. A musculação não é muito minha praia, então quando eu vou pra academia, faço um treino funcional, um circuito funcional, um pouco de crossfit, que era o que eu estava fazendo agora com o personal. Eu amo, porque é um treino dinâmico, rápido, que tem um resultado que eu vejo que me agrada e é rápido, que coloca o meu corpo numa postura.
Você gosta de se alimentar bem ou é algo que só faz porque é necessário?
Não só porque precisa, mas também por causa da mutação do corpo, precisa pra ele continuar funcionando como uma máquina. Se eu fico três dias me alimentando mal, certamente eu vou adoecer, certamente a minha imunidade vai cair, a minha atenção vai diminuir. Então, é quase que lógico pra mim que eu esteja me alimentando bem, porque senão eu não aguento.
Agora tenho sempre nas minhas consultas com nutricionistas as metas para daqui dois, três meses. E a minha única meta foi não ficar doente. Confesso que eu nunca tive essa preocupação, mesmo. Mas por uma questão de saúde mesmo, e de energia para estar ali, aguentar o compromisso com o trabalho, precisei botar isso na minha rotina.
Poder dos cachos e a #aguentafirme
Quando falamos sobre beleza com você, é impossível não citar seu cabelo e toda sua transformação, que virou uma marca registrada. O que te fez querer passar pela transição capilar?
Eu comecei a alisar naquele período em que todo mundo foi alisando. Lembro que chapinha era uma novidade, além daquelas escovas que já alisavam enquanto secavam o cabelo… Sou de uma família só de mulher, então lembro que a minha irmã comprou uma e a gente ficava fazendo. Todo mundo tinha um cabelo cacheado aqui em casa, e a gente achava mais prático, na nossa cabeça, né? Mesmo que acordasse muito antes para fazer e gastasse muito dinheiro com progressiva, a gente achava que: “Ah, já saiu pronta”. E eu alisei muito movida por esse pensamento de que era mais prático, mais bonito, mais simples. E não era nada. A verdade é que dava trabalho igual.
Quando comecei a fazer teatro, foi um momento que saí da escola, fui fazer a faculdade que eu escolhi, foi um momento de total emancipação. Eu fui ganhando liberdade de me conhecer, de entender quem eu era. Assim, eu fui conhecendo a minha tribo também. E acho que a partir desse momento, fui enxergando meu corpo de outra forma, fui me vendo no mundo de outra forma, conhecendo outras pessoas que tinham uma relação mais livre com essa questão do corpo, da aparência do cabelo e tudo mais. Assim, fui sendo convidada a pensar de uma forma diferente. Eu lembro que nessa época também eu tava estudando dramaturgia brasileira, e aí eu revi muito “Gabriela” [a novela], a original, o filme, o remake, li o livro. Tanto da Sônia Braga, quanto da Juliana Paz, com o cabelão, sabe? E eu entendi que dentro da atuação brasileira, eu me aproximava muito daquele biotipo. Aquilo ali pra mim também foi um ativo a mais. Comecei a ver cabelos cacheados, bonitos, a reconhecer beleza nessa curva. E aí eu falei: “Bom, eu nem lembro mais como é meu cabelo natural. Vou experimentar, passar por esse momento”. E foi ótimo!
Quantos anos você tinha quando começou a alisar?
Eu comecei a alisar de brincadeira, fazendo uma chapinha pra semana, quando eu tinha uns 12 anos. É cedo, né? E aí, depois, comecei a fazer progressiva, com uns 13 anos.
A transição foi num momento mais livre de julgamento, porque a gente tava todo mundo dentro de casa, não tinha essa coisa do social. Você vê como isso conta. A autoestima do cabelo está muito ligada a isso. Eu percebi que as cacheadas, quando começam a aceitar o cabelo cacheado, têm algo de não se sentir arrumadas. E aí eu sempre falo: “Calma, senta, vamos conversar”. É interessante isso, porque quando você passa pelo processo de transição, vai precisando mudar muitas narrativas do cabelo, da beleza, questionando por que a gente considera o cabelo cacheado tão menos sofisticado do que o cabelo liso. De onde vem isso? E aí é um mergulho mesmo, assim, de autoconhecimento e também de entendimento desse padrão social. É a hashtag #aguentafirme. É difícil pra caramba lidar com seu cabelo, passar por essa pressão de ter que alisar, aí depois passar por um processo de transição pra ver o cabelo natural. E aí, depois, tem que quebrar todas essas questões que a gente tem com a gente e com o outro, porque a gente vai percebendo quanto preconceito tem.
Como foi para você essa troca com as outras mulheres quando você criou a hashtag?
Uma coisa que eu achei muito curiosa nesse processo é que quando eu comecei a fazer novela, aparecer na televisão, o que eu mais recebia de retorno das pessoas na internet tinha relação com o meu cabelo. E eu percebi que ali em 2017, 2018, a gente ainda era carente de representatividade, de cabelo cacheado e crespo. Olha, estou falando de 2017, 2018… Foi agora! Tinham poucas atrizes de cabelo cacheado, ou assumidamente cacheadas, que falavam sobre isso com orgulho. Lembro que eu estava com o cabelo super natural e as pessoas me perguntavam muito sobre isso, então eu até consigo enxergar o quanto a #aguantafirme foi importante para esse início das pessoas. É muito curioso o alcance que teve. Então, eu virei naquele período uma referência, porque tinha um movimento e uma carência de representatividade.
Ainda percebo o quanto que esse é o assunto que mais aproxima as pessoas nas minhas redes sociais. Se eu falo de cabelo, meu engajamento melhora muito, por exemplo. Então, é uma coisa que eu noto que as pessoas gostam quando eu falo. Mas sempre foi uma preocupação que eu tive de falar disso sem nenhuma pressão ou imposição, já que a gente está falando justamente de sair de uma imposição. Então, até quando eu falava do cuidado com o cabelo cacheado, eu falava de um lugar leve, tranquilo, sem cobrança, sem a necessidade do cacho perfeito, trazendo à tona as dificuldades, mostrando que, gente, é normal, “você não vai ter um day after bom, não pira por isso, aguenta firme, tem frizz…”. Então, acho que as pessoas também foram se aproximando por conta dessa naturalidade, da pouca pressão que eu coloquei em cima desse assunto.
Agora que você já pegou a prática de cuidar do seu cabelo, como é que é sua rotina de cuidados com ele?
Como eu estou com cabelo que não é meu [megahair], agora tenho outro cuidado, né? Eu já não passava tanto produto perto da raiz, mas como meu cabelo é fino e seco, não tinha tanto problema. Agora tenho cola na raiz, então se eu fizer isso, ele escorrega e solta, e aí eu vou perdendo, vou me “despenando” ao longo do tempo. Além disso, tenho que fazer mais manutenções. Minha extensão não é um cacho parecido com o meu, ele é mais anelado do que cacheado. Então eu também fico tentando dar uns truques nele, para ficar mais próximo e esconder o meu cabelo também.
Antes eu fazia hidratação toda semana, intercalando o condicionador com a máscara de hidratação. Agora esse cabelão me dá tanto trabalho. É difícil lavar perto da cola da raiz, então o meu desafio tem sido esse. Desembaraçar e lavar esse cabelo. Eu também sempre estou usando um produtor térmico e continuo hidratando. É prazeroso pra mim, uma relação gostosa, mas completamente diferente de lidar com o meu próprio cabelo natural.
E você tem alguns outros cuidados de beleza que você tem o hábito de fazer?
Agora estou precisando lidar muito com essa questão da pele, porque botei o DIU no ano passado e passei por aquele processo de adaptação, que pra mim foi muito difícil. Eu fiquei com muita acne e estava usando maquiagem todo dia. Então foi um desafio entender essa nova rotina de skincare.
Além disso, no momento que eu estou cuidando de mim e do meu corpo, faço exercício físico quando é possível, porque a rotina está bem tensa. E uma coisa que eu incorporei muito também foi ter dois litros de água do meu lado. Uma garrafona. É bom pra voz, pra pele, pra tudo. De fato, faz toda a diferença. Quando você começa a tomar, a gente começa a ver que a pele melhora, o funcionamento do organismo. Eu percebo muito.
O que faz parte da sua rotina de skincare?
Limpeza, serum, essas coisas… Uso um sabonete próprio para o rosto e aí passo melaleuca, um óleo essencial que me ajuda muito no tratamento da acne, porque ela limpa fungo, bactérias, então é muito boa. Misturo ela com hidratante, e também uso hidratante para os olhos e para a boca. Já na hora de tirar a maquiagem, eu passo primeiro um óleo de coco no rosto inteiro, para dissolver a maquiagem, e então passo sabão umas duas vezes e, aí, depois uso um lenço ou algodão com demaquilante ou uma água miscelar. Depois disso, lavo o cabelo no rosto de novo e faço esse mesmo processo com a melaleuca, hidratante e protetor se eu ainda for sair para o dia.
Atuação no presente e futuro
Você está fazendo sua primeira protagonista, a Luna em “Fuzuê”. Você acha que tem algo em comum com ela?
É muito boa essa pergunta, né? Porque ela vai ficando na minha cabeça e eu já respondi de várias formas diferentes. Eu já falei que era o otimismo da Luna, que ela tá sempre querendo a solução para as coisas e eu sou uma pessoa também naturalmente otimista. É engraçado, a Luna é teimosa, eu fui me descobrindo uma pessoa teimosa também. Quando fui conquistando as minhas coisas, minha liberdade, minha vida, eu entendi o quanto que eu sou teimosa. Boto uma coisa na cabeça e quero aquilo. E ela é muito direta, ela fala que não vai fazer as coisas e acaba fazendo.
A Luna também tem uma certa dificuldade em receber ajuda, porque ela é a ajuda. Ela não recebeu a ajuda da mãe, por exemplo, ela funcionava ali uma relação quase que ela era mãe da mãe e ela se vira sozinha. Ela também não teve um pai, então tem um lugar até de força, da capacidade dela que faz com que ela abrace o mundo. Eu me identifico bastante com esse lugar, essa exigência da autoprodutividade. Mas acho que, diferente dela, já aprendi a lidar, a relaxar e que tá tudo bem pedir ajuda, que isso não me vulnerabiliza, que isso não me enfraquece.
No filme do Magal você cantou e atuou. Você tem alguma preferência entre cantar ou atuar?
Nunca pensei sobre isso. Eu acho que eu sou mais atriz do que cantora, mas não sei também se pode mudar. A música caminha muito perto do meu lugar de atuação. Eu acho que ela fala muito sobre atuação, interpretação, ritmo, tempo. Mas é difícil saber, porque eu amo a música, é uma coisa que eu gostaria de me dedicar mais, mas por conta do meu trabalho como atriz, o que eu consigo fazer é aula de canto quase toda semana e uma manutenção dos instrumentos que eu gosto de tocar. Tenho pensado cada vez mais em usar isso profissionalmente. O filme foi um empurrãozinho para amadurecer essa ideia.
Tem algum tipo de trabalho que você ainda não fez que gostaria de fazer?
Série. Eu nunca fiz série. Tenho muita curiosidade, porque tem um pouco dessa linguagem da novela, que é uma obra maior, porém fechada. Então você já sabe o que vai acontecer, já dá para preparar o início, meio e fim desse personagem. Gostaria de fazer uma série mais puxada para o drama, com conflito familiar, pessoal… Nesse sentido. Também tenho muita vontade de fazer um atleta, alguma personagem que exija algum preparo físico.
Sonhos de vida
Qual é o seu maior sonho na vida?
Meu maior sonho é ter trabalhos relevantes, sobretudo sociais, que as pessoas vão se sentir representadas. Que, através do meu trabalho, as pessoas vão ter mensagens de esperança, de alegria, que vão se emocionar e conseguir fazer um paralelo com a própria vida através do que eu estou fazendo. Isso é um sonho que eu estou construindo e que eu fico muito feliz com ele.
Eu tenho, sim, uma ambição de falar para o público cada vez maior. Não vou mentir. Desejo ver o meu trabalho alcançando lugares também de maior responsabilidade. E estando aliada com a minha vida pessoal, no lugar de construir as coisas que eu quero. Como eu falei, eu tenho muita paixão por cuidar da minha casa. Então não tem dia da minha vida que eu não esteja vendo apartamento, casa e decoração. Todo dia estou vendo coisa imobiliária. “Onde é que eu moraria? Onde é que seria?”. Tenho muito o sonho em relação ao meu lar. Sempre tive. A minha casa sempre foi uma coisa que eu idealizei muito na minha vida.
E o maior medo?
Tem o medo de não ser aceita. Eu percebo bastante isso em mim. Trabalho muito isso na terapia, essa necessidade, que me faz pensar muito na opinião do outro. Reconheço que esse é um medo, mas reconheço também que tenho feito um trabalho grande para desconstruir isso. A gente está sempre buscando ser amada, sempre buscando ser acolhida. Queremos que as pessoas gostem do que a gente está fazendo, que gostem do personagem e tudo mais. Então, espero continuar trabalhando, assim, sempre realizada com os trabalhos que eu faço.
Fotos: Divulgação @thinkersmgmt)
Styling: Rodrigo Yaegashi
Produção de Moda: Bia Maciel e Bruna Gindro
Beleza: Jake Falchi
Assistente de Beleza: Pamela Hubner
Agradecimento: Thinkers