Uma dor intensa de um lado da cabeça, pulsando no ritmo das batidas do coração. Se você já viu esse filme – e fugiu para um quarto escuro e silencioso em busca de alívio -, sabe quanto a enxaqueca atrapalha a vida. A neurologista Carla Jevoux, membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia, esclarece dúvidas e apresenta as melhores armas para interromper e prevenir futuras crises.
Toda dor de cabeça é enxaqueca?
Não, há quase 200 tipos de dores de cabeça (ou cefaleia), com sintomas e tratamentos diferentes. A enxaqueca é a campeã de consultas médicas. Produz dor latejante, de moderada a forte, em geral na metade da cabeça, que pode durar de quatro a 72 horas. Atinge 17% das mulheres e 7% dos homens e não perdoa nem crianças. O pico de incidência é entre 20 e 40 anos.
Por que as mulheres sofrem mais?
A enxaqueca é quase três vezes mais comum entre nós por razões hormonais: 70% das dores pioram antes e durante a menstruação. A maioria melhora na gravidez e a partir da menopausa.
O culpado é o fígado?
Isso é mito. Esse órgão leva a fama porque a enxaqueca vem acompanhada de enjoo. “Se vomitar, a dor passa, não sabemos o porquê”, informa Carla Jevoux. Ainda ocorre intolerância à luz, barulho, cheiros fortes e movimentos como subir escadas. Por isso, nada de querer treinar durante a crise. O esforço mental também agrava o quadro. Tente parar e se poupar.
Forçar a vista pode desencadear o problema?
Outro mito. Segundo a neurologista, o problema não tem relação com distúrbios oculares. A origem é genética. Algumas pessoas herdam a tendência para apresentar alterações no sistema nervoso central que acarretam dor.
Minhas crises acontecem mais no fim de semana. Por quê?
Provavelmente não se trata de enxaqueca, mas de outro tipo de cefaleia por abstinência de cafeína: nos escritórios é comum tomar café várias vezes. Em casa, nem sempre a bebida está disponível. Bebe-se menos e o organismo sente falta.
A enxaqueca tem relação com a mudança do tempo?
Em alguns pacientes, sim. A exposição ao frio pode servir de gatilho para a dor. Outros fatores desencadeantes são altitudes elevadas, jejum, mudança no ritmo de sono (dormir mais ou menos do que o normal), excesso de luz, odores fortes, stress emocional e certos alimentos.
Que alimentos são capazes de desencadear as crises?
Os mais comuns são queijos amarelos, frutas cítricas, laticínios fermentados, embutidos, molhos à base de soja, chocolates e bebidas alcoólicas (sobretudo o vinho tinto).
Tomar sorvete pode acarretar enxaqueca?
A dor de cabeça por consumo de sorvete é outro tipo de cefaleia, produzida pelo contato de material frio com o céu da boca e a faringe. Não dura mais que cinco minutos. Bastou colocar o sorvete na boca, ela aparece. Tirou, ela some. Mas quem manifesta essa dor é mais vulnerável a ter enxaqueca.
Quem tem a doença pode tomar pílula?
Sim e não. Em algumas mulheres, o anticoncepcional não interfere na dor ou até pode melhorá-la, em outras, piora. Para quem enxerga pontos luminosos ou manchas escuras (aura) minutos antes da dor, nem sempre a pílula é indicada. Nesse caso, escolha as que contêm apenas progesterona.
Tem cura?
A enxaqueca pode ser controlada, mas não curada. O tratamento reduz a frequência, a duração e a intensidade das crises.
Medicamentos para dor de cabeça comum aliviam a enxaqueca?
Nem sempre. Melhor é usar fármacos específicos, os triptanos, que reduzem o calibre dos vasos sanguíneos e logo interrompem a crise. Repouso e bolsa de gelo no local também ajudam. Para quem tem mais de dois episódios por mês, recomenda-se o tratamento preventivo: uso diário de neuromoduladores (como topiramato e divalproato) para diminuir a sensibilidade do sistema nervoso central. Todos os medicamentos requerem supervisão médica.
O uso de botox ajuda a controlar a enxaqueca?
Essa substância vem sendo utilizada para tratar enxaquecas que não respondem aos remédios. Aplicado em 30 pontos na testa, nas laterais da cabeça e na nuca a cada seis meses, relaxa os músculos para prevenir a dor.
O que mais pode auxiliar na prevenção?
Ser assidua na prática de exercícios físicos, comer em horários regulares, ter horários fixos de sono, limitar o consumo de cafeína e álcool, adotar técnicas de relaxamento e não tomar remédios por conta própria.
Mulheres têm mais dor de cabeça
Além da enxaqueca, há outras cefaleias que “preferem” o sexo feminino. Em um estudo realizado pela neurologista Eliana Melhado, da Sociedade Brasileira de Cefaleia, 81% das mulheres se queixaram de dor de cabeça ante 59,7% dos homens. A dor de origem cervical, por exemplo, inicia-se na coluna, na altura da nuca, em resposta à lesão ou não, e se alastra, atingindo a cabeça toda. Sua incidência é de quatro mulheres para cada homem. Nós também somos mais propensas às cefaleias decorrentes de hipertensão arterial, distúrbios da articulação da mandíbula (ATM), nevralgia, ansiedade e depressão.
E há um tipo específico que provoca dores extenuantes de um dos lados da cabeça, além de olhos vermelhos e lacrimejantes, queda da pálpebra e coriza (hemicrania paroxística). O ataque tem curta duração (de 5 a 20 minutos), mas pode se repetir várias vezes ao dia. A dor que de longe é a mais frequente não produz tantos estragos. É a do tipo tensional: surge no fim da tarde, ocasionando uma sensação de peso ou aperto dos dois lados da cabeça devido à tensão dos músculos do pescoço e do couro cabeludo. Deflagrada sobretudo por stress, tem intensidade de leve a moderada e em geral cede com um analgésico comum.