O corpo fala
Hey folks! Quando eu era pequeno, era muito solitário, costumava falar comigo mesmo e até com as coisas. Talvez isso não seja muito relevante. Toda criança cria um mundo imaginário à sua volta, que por muito tempo o sustenta e o impulsiona.
Rudolph Steiner já dizia que, até o primeiro setênio (primeiros sete anos de vida), o mundo é bom. Não necessariamente verdadeiro, mas bom. Aliás, este será verdadeiro após os catorze anos. E no meio do caminho, o mundo será belo. E, para ser bom no começo da vida, muito provavelmente ele não será verdadeiro aos olhos de uma criança. Ele será construído na pureza de ser, de um jeito onde apenas se expressará bom.
Meu mundo era bom. E só existia para mim. Lá eu era um atleta campeão de uma Olimpíada. Minha casa era um palácio, minha praia melhor que qualquer uma de Seychelles. E eu falava com tudo. Era o maior tagarela em silêncio. E o mais legal: meu mundo falava comigo também, em todos os momentos. Quando eu tomava um sorvete delicioso ou quando eu tinha medo de escuro. E escutar meu mundo me trouxe aprendizados que em nenhuma verdade do mundo real pude encontrar. Uma delas é que sou mais que meu corpo, minha mente e até meu espírito. Sou o sopro divino. A imagem de Deus, como minha filha me falou hoje, me fazendo sentir o próprio, como mais ninguém pode me mostrar.
O OLHAR INFANTIL
Sim, o mundo é bom. Basta manter os olhos da sua criança vivo. Através dos seus olhos, ou das crianças que te mostram o mundo bom nos olhos dela. Uma vez criança, sempre criança. Há uma dentro de você, que pode te ajudar a entender o mundo como bom novamente e te possibilitar a ver o que não está vendo.
O olhar infantil é um dos maiores segredos do meu trabalho com treinamento 3Dimensional. Hoje, eu também sou criança, o que é muito diferente de ser apenas uma que não cresceu. A criança tem muita imaginação, mas não necessariamente criatividade, porque a criança não usa essa imaginação para solução de problemas, então ela é imaginativa e não necessariamente criativa. O adulto que não sufocou sua criança é criativo porque usa a sua imaginação infantil em uma mente adulta, capaz de interpretar o mundo e criar estratégias inovadoras.
Mas a criança não vê só o mundo como bom, ela também pensa de modo simples e curioso. Ela se interessa por ele. Aos adultos, o interesse é em si próprio e não no mundo e esse olhar simples e curioso me entrega mais resultados no meu trabalho que qualquer curso que já fiz, porque ele me traz ao presente, ao hoje, à realidade. Nos meus atendimentos, parto do princípio que nada sei, e se não sei, como uma criança vou perguntar, e além disso, escolher a solução mais simples. Abordei sobre isso aqui.
O fato é que eu pergunto, e na maioria das vezes, quem fala não é o meu cliente, mas o corpo dele. E como sempre o ouvi, continuo aprendendo. Pergunto a ele como pode me ajudar e ele sempre me ajuda. De uma forma singular e similar. Singular porque todo cliente é único e similar porque, apesar de sermos únicos e irrepetíveis, somos mais parecidos que diferentes, e essas semelhanças nos tornam humanos. Por isso, quando pergunto à lombar da Helena porque ela dói, aprendo sobre lombares e sobre Helena. Uma no plural, e outra no singular. E isso, senhores, me escancara cada erro grosseiro que cometeria não os ouvindo. Assim como fazemos com tudo a nossa volta. Ao não ouvir, escolhemos mal. Seja em relação aos nossos filhos, nossos companheiros, nossos pais, nosso chefe, nosso funcionário e todos os nossos e deles que você quiser colocar aqui. Sem ouvir, não há evolução, apenas ego.
E a primeira coisa que devemos saber antes de tudo é a linguagem que essa comunicação se dá. Neale Donald Walsch, em “Conversando com Deus”, começa essa linda trilogia dizendo que os sentimentos são a linguagem da alma. E vou além, do corpo e da mente também. Podemos mentir com as palavras, mas jamais com os sentimentos. Posso dizer que te amo, mas jamais te amar sem sentir isso. Posso fingir orgasmos, mas não vou gozar sem verdade. O corpo fala. E muitas vezes, por meio das dores. Ele fala por outros meios também como o prazer, a alegria, a tristeza, a timidez, mas, por ora, vamos nos ater à dor.
A dor é sempre vista como negativa, mas o fato é que ela é neutra, apenas uma informação. Só através da dor podemos entender nosso corpo, mente e espírito.
Nosso corpo não pode nos mandar uma mensagem de WhatsApp, então ele nos comunica por sentimentos e a dor é um dos mais claros. Muitas pessoas chegam até mim me pedindo ajuda para eliminar as dores. Entretanto, eu não posso fazer isso porque seria péssimo. A dor, por ser uma comunicação, é fundamental.
Existe uma doença chamada insensibilidade congênita, que faz com que a pessoa não sinta dor. O que aparentemente pode ser uma benção, é um castigo. Imagine que você, tendo essa doença, coloca sem querer a mão numa chapa muito quente e, por não sentir a dor da queimadura, fica com a mão na chapa, ao contrário de qualquer pessoa que a tiraria imediatamente. Você só perceberia o problema quando sentisse o cheiro de carne queimada. Mas aí, já seria tarde, você já teria comprometido severamente a mesma. Por isso quando um aluno me pede para acabar com a dor dele, o que eu digo é que não posso, mas, por outro lado, vou ajudá-lo a ressignificá-la e, principalmente, ouvi-la. Sim, ela nos traz informações importantes e precisa ser ouvida.
De maneira mais prática, a coisa é mais ou menos assim: o aluno me procura dizendo que sente dores no joelho dele, que o joelho não funciona, é uma porcaria, não tem mais jeito. Na verdade, o aluno está resignado, sequelado, preocupado e nem se deu conta que esse joelho não está dizendo nada disso. Então eu inicio uma conversa, não com o aluno, mas com o joelho dele, e faço isso através do meu aluno, que passa a ser uma ponte entre o joelho e eu, tipo meu intérprete. Acontece mais ou menos assim:
_ Ah, legal. Entendi. Seu joelho é uma porcaria, né? Ele tá doendo agora?
– Não, agora eu estou sentado. Ele só dói quando eu agacho. Sentado não dói.
– Hum, então ele não é tão ruim. Ele faz várias coisas legais como andar, saltar, subir escadas, lutar Jiu Jitsu, mas quando vai agachar ele sente dor. Uma ótima notícia, não? Em uma pergunta seu joelho passou de uma porcaria para quase excelente. Deixe-me me perguntar outra coisa, dói sempre que você agacha?
– Ah, dói. Agachamento é insuportável.
– Hum, poderia ver você agachando?
– Claro. Então o aluno executa um agachamento e sente dor. – Tá vendo? Ele sempre dói quando agacho.
– Bom, na verdade a única coisa que eu vi foi que nesse agachamento ele doeu. Mas deixa eu conversar com ele e você vai me ajudar aqui. Faz um favor para mim, afasta um pouco mais seus pés e agacha, e me diz se melhora.
– Hum, assim não doeu.
– Bacana, e se você rodar os pés pra fora? O que acontece?
– Dói também.
– E se rodar pra dentro? Você pode agachar com os pés rodados para dentro?
– Nossa!! Foi muito bom. Não sinto nada.
– Que maravilha. E com uma perna na frente da outra. Teste as duas na frente e me diga.
– Não dói em nenhuma dessas posições.
– Olha que interessante. Primeiro você chegou aqui dizendo que seu joelho era péssimo. Mas então começamos a ouvir o que ele estava dizendo e percebemos que ele é muito bom, só dói quando você agacha, e, mesmo assim, não em qualquer agachamento, mas apenas com as pernas na linha do quadril, que foi o primeiro agachamento que você fez, e com os pês rodados para fora. Em qualquer outra posição dos seus pés ele funciona super bem. Logo, seu joelho está e é muito bom. A única coisa que precisamos fazer para melhorá-lo é recuperar alguns padrões de movimento e, muito em breve, ele não vai reclamar de nenhum agachamento.
E sabe quem me disse isso? O próprio joelho. E como? Através da dor. E o caminho para a reabilitação, para recuperar esses padrões de movimento perdido também será escutando o que ele tem a dizer, deixando que ele seja nosso guia desta reabilitação.
O problema é que não nos acostumamos a ouvir nosso corpo. Pelo contrário, costumamos silenciá-lo. Ao primeiro sinal de dor, corremos atrás de um analgésico que nem de receita precisa para ser vendido, de tão naturalizado que se tornou o ato de silenciar o corpo na nossa sociedade. Essa conversa não aconteceria se o aluno tivesse usado um analgésico. O joelho nada me diria e possivelmente se comportaria como quem coloca a mão na chapa quente e não sente dor, continuando assim a fazer movimentos que normalmente não faria por dor e, se a dor é uma comunicação de que algo não está certo, estaremos assim fazendo um movimento que não está bom e, com isso, piorando o cenário. É como se meu carro estivesse fazendo um barulho no motor e eu aumentasse o radio para não ouvir. Isso pode até me gerar, como com o analgésico, um alívio momentâneo, mas certamente a longo prazo me trará maiores problemas. Entretanto, não fazemos isso com nosso carro. Talvez porque pagamos por ele e mensuramos facilmente o custo de um motor danificado. Mas nosso corpo, a máquina de maior tecnologia que já apareceu na face da terra, nos foi “emprestado” de graça e talvez por isso escutamos mais nosso carro que o próprio corpo.
A sabedoria popular já diz que “o pior cego é aquele que não quer ver”. Podemos modificar para “pior surdo é aquele que não quer ouvir” e, se temos dois ouvidos e uma boca, certamente é para ouvir mais e falar menos. E, falando nisso, acho que já falei demais por hoje.
Forte abraço,
Samorai