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Treino 3D - Corpo, Mente e Espírito, com Samorai

Bacharel em esporte, Samorai (@samorai3d) é criador do método de treinamento 3dimensional para reabilitação, prevenção e tratamento de lesões e performance. Aqui, auxilia praticantes e treinadores na busca por harmonia.
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Porque não uso protocolos na reabilitação

Por Samorai
Atualizado em 21 out 2024, 22h28 - Publicado em 1 jun 2021, 20h00
Como lidar com a dor: "Um protocolo de nada me serve, mesmo que o foco do meu trabalho seja a reabilitação de lesões físicas, área onde os protocolos reinam há muitos anos", escreve Samorai
Como lidar com a dor: "Um protocolo de nada me serve, mesmo que o foco do meu trabalho seja a reabilitação de lesões físicas, área onde os protocolos reinam há muitos anos", escreve Samorai (Mr Lee on Unsplash/BOA FORMA)
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Não sei quem vai tocar a campainha, como posso saber o que vou dar? Essa é uma frase recorrente que uso em meus cursos de formação para ilustrar o principio da singularidade e como aplica-lo no dia a dia. Em outras palavras estou afirmando que um protocolo de nada me serve, mesmo que o foco do meu trabalho seja a reabilitação de lesões físicas, área onde os protocolos reinam há muitos anos. Entretanto a verdade é que eles não fazem sentido algum, porque veja só, existem quase 8 bilhões de pessoas no mundo e nenhuma é sequer parecida com outra.

Quer mais? Nunca na história da humanidade houve uma pessoa sequer parecida a você. Nem uma folha ou rocha é parecida umas com as outras. E isso é fácil de entender, não? Então por que você estranhou quando afirmei que os protocolos são, por definição, inúteis? Talvez o único protocolo aplicável seria o que vem com seu nome. Um protocolo individual. Será? Nem esse funcionaria porque todo instante de tudo que há na terra também é inédito.

Meu professor de ciências políticas e filosofia, o Dr. Clóvis de Barros Filho costuma dar o exemplo da pamonha. Quando você está com muita fome a pamonha te alegra sobremaneira, porém se isso fosse uma fórmula de sucesso era só te dar pamonha o tempo todo que tudo estaria resolvido. Porém a mesma pamonha que te alegra num instante em outro te entristece. Pense em comer quatro seguidas e imagine a diferença de percepção entre a primeira e a última, esta já totalmente sem fome e sem vontade alguma de comer. Isso ilustra como somos diferentes e mudamos de estado o tempo todo. Como já dito há 500 anos antes de Cristo pelo filósofo Heráclito de Éfaso, nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, porque na segunda vez, nem o homem e nem o rio são os mesmos. Tudo isso é fácil de entender e concordar, mas quando vamos para a pratica o que aplicamos? Protocolos. Passaram 2500 anos e cometemos um erro que na antiguidade já se mostrava infantil. O que quero dizer aqui? Que somos seres singulares, jamais vistos na história da humanidade, e todos nossos instantes são inéditos, logo, jamais vistos também. Esse é o meu material de trabalho.

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Eu conheço apenas 10% da função corporal

Pessoas me procuram com dores, que muitas vezes sequer tem ideia de onde vieram, e a minha função é reabilitá-las. Para piorar essa equação, meu grande mentor nos Estados Unidos, o Dr. Gary Gray, a quem reputo o maior gênio da área de reabilitação e que revolucionou toda a forma como enxergamos e estudamos movimento, recebendo a carinhosa alcunha de “pai do movimento”, costuma dizer que, com muita boa vontade, sabemos 15% da função humana. Isso o Gary. Agora imagine eu, reles mortal. Suponhamos, com mais boa vontade ainda, que eu entenda 10% dessa função.

Então meu cenário é o seguinte: eu trabalho com reabilitação física de pessoas singulares entre elas mesmas e as outras pessoas e com conhecimento de 10% da função corporal e não posso usar nenhum protocolo porque ele também não conhece a pessoa que está na minha frente dizendo que já fez de tudo e cada dia que passa sente mais dor. Tranquilo né? E quer saber do mais legal? Invariavelmente eu entrego algum tipo de reabilitação. E como isso é possível? Isso só foi possível quando eu levei tudo isso em consideração, abandonei qualquer protocolo e me abri para as informações que esta pessoa me trazia em corpo, mente e espírito.

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Ah, tem mais essa. Essa pessoa não é só corpo. Ela é um ser mais complexo, que pensa, que sente, que tem história, traumas, medos e um emaranhado de influências, algumas tão peculiares que nem mesmo nome para isso tem. Agora piorou de vez. Estudei 6 anos na USP e nada disso me foi falado. Falamos muito de mitocôndrias, ciclo de Krebbs, Adenosina trifosfato, mas da relação corpo, mente e espírito não. Até porque isso não dá cartaz né. Falar difícil me faz parecer mais inteligente, mesmo que ninguém, e nem mesmo eu, muitas vezes consiga entender. Onde já se viu um cientista falar de espírito? Mas quando eu emprego um protocolo numa pessoa com muita dor e ele não dá o resultado que me garantiram que dava e a pessoa olha para minha cara com um olhar de socorro, não adianta falar sobre mitocôndria, eu preciso aliviar essa dor. E é nessa hora que entra o Treinamento 3Dimensional que estuda o movimento, as lesões, as dores sob a ótica do corpo, da mente e do espírito.

Entendendo que as pessoas são seres complexos, singulares, autênticos e integrados, onde uma parte afeta o todo e vice-versa. Essa pessoa vive num mundo peculiar que tem suas regras físicas e opera, ao menos na parte da matéria, em 3 planos e se isso acontece, devemos avalia-lo e treiná-lo em 3 planos. Isso por si só elimina a maioria dos métodos de treinamento, puramente realizados no plano sagital.

Se trabalho com pessoas tenho que ser expert em pessoas

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Então para entregar o que me proponho, tudo isso influencia minha tomada de decisões. Eu tenho que entender de movimento, afinal essa é minha ferramenta de trabalho, mas o que eu mais preciso entender é de gente, porque se vou trabalhar com gente eu tenho que entendê-las porque elas interferem em tudo. Todos os elementos de uma pessoa interferem no movimento. Deixa-me dar um exemplo. Imagine alguém caminhando. Possivelmente você criou uma imagem mental dessa pessoa na sua cabeça. Agora pense nessa mesma pessoa caminhando com muito frio. Essa imagem já se alterou. Agora mude e pense nessa pessoa muito apertada pra fazer xixi. Troque agora pela mesma pessoa com muito medo. Imagine agora cheia de coragem e com muito ódio querendo “quebrar a cara” de alguém. Pense uma pessoa muito tímida num ambiente de muita exposição. Viu só, como a cada característica que eu passei sobre a pessoa a caminhada dela acontecia de forma diferente? E qual era o movimento? A caminhada.

Nunca alterei a tarefa, mas cada vez ela aconteceu de forma diferente. Por isso (e mais um monte de coisas) os protocolos não funcionam. Porque imagine agora uma pessoa com dor lombar e o “protocolo melhor do melhor do mundo” diz que determinado exercício seja maravilhoso para reabilitação desta dor, mas por outro lado esse exercício é realizado numa posição onde expõe a pessoa. Agora pense que ele seria aplicado à pessoa mais tímida que você conhece e ela estivesse se sentindo master exposta, como se estivesse nua na frente de muitos desconhecidos. Por ela estar tão desconfortável, esse possível exercício maravilhoso para coluna se torna numa experiência tão desagradável que é muito provável que essa dor aumente, e não pelo movimento em si, mas por todo o contexto onde ele foi aplicado. É possível que essa aluna busque um refúgio na dor como uma forma de sair dali o mais rápido possível, e obviamente não faz isso de forma consciente.

Se você acha que pode ou que não pode de toda maneira você está certo – Henry Ford

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Como resultado desta dor que apareceu no movimento que estava ali para curá-la, é muito possível que ela desenvolva uma crença de que ela seja incurável, porque até o “melhor” exercício do mundo não a curou. Junto dessa crença pode vir junto um quadro de depressão que no final de tudo vai reforçar a própria crença, porque, uma vez acreditando que não pode ser curar, ela não vai mesmo, pois como já dizia Henry Ford, se você acha que pode ou acha que não pode, de toda forma você esta correto. Aliás, não a toa, essa frase dele está escrita no meu estúdio e sempre peço para meus alunos a lerem, porque todo processo de reabilitação é sempre um processo de auto cura e que só pode acontecer se o aluno acreditar de verdade que isso pode se realizar.

O medo influencia o corpo, mas o corpo também influencia o medo

A partir desses exemplos vemos uma conexão clara direta entra corpo, mente e espírito. E talvez isso seja até facilmente entendido. O que também é claro mas nem tantas vezes observado é que essa é uma correlação de mão dupla. Ou seja, o corpo influencia e é influenciado pela mente e pelo espírito (espírito aqui como a parte emocional e também transcendental). E sabendo disso também podemos inverter o processo. Usar o corpo e os movimentos para influenciar os outros fatores. Se ao caminhar com medo eu mudo meu padrão de movimento o que aconteceria com meu medo se eu mudasse meu padrão, voluntariamente, para um padrão de coragem? Ao invés de caminhar encolhido caminhasse de peito aberto? E ao realizar o movimento dessa forma eu sinto também o medo diminuir e a coragem e a segurança aumentarem.

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Outra forma de influenciar isso pode ser através da respiração. Se estou muito ansioso e minha respiração acelera. E se eu, conscientemente, começar a respirar mais devagar? Minha ansiedade diminui. E como eu posso afirmar isso? Porque sou atleta de jiu Jitsu e disputo campeonato mundial, sul americano, europeu e brasileiro. Quando você vai entrar num tatame para lutar com um atleta de altíssimo nível, que pesa cem kgs e a única coisa que deseja é te matar, não tem como esse medo não aparecer e se você não controla-lo ele influenciará na sua performance, na sua ação e obviamente, no resultado dessa luta. Ao se ouvir você pode mudar isso. Entendendo essa via interconectada você usa seu corpo para influenciar suas emoções. E isso é individual. Cesar Cielo prefere se bater até doer. Tem atletas que gritam, pulam, outros como eu, silenciam. Buscam na respiração consciente um aliado. Abrem o peito, levantam o queixo e geram condições físicas onde a coragem se estabelece.

A própria pandemia deixou esse mecanismo muito claro para mim. Muitos dos meus alunos sentiram a pressão do momento e da quarentena que tivemos que fazer. Muita tensão, preocupação, ansiedade e depressão. E em paralelo pouco movimento. Pouca ação, poucos resultados. Quando conversei com eles percebi que estavam deprimidos e começamos por nos movimentar. Tanto em movimento propriamente dito como em ação. Todo dia tinham uma tarefa simples para fazer, mas que deveria ser feita com atenção plena e com esmero. Algo onde não dá para errar, porque erro num momento desse pode ter um efeito reverso. Então pedi a eles para escovar os dentes com presença e por três minutos. Arrumar a cama da melhor forma possível. Lavar a louça com cuidado redobrado, passear com o cachorro conversando com ele e mostrando pra ele a beleza do mundo em que estavam caminhando. E o resultado foi estrondoso. A energia do grupo voltou. Não que os problemas tivessem ido embora, mas a percepção do problema mudou. E isso sempre está a nosso alcance.

E tudo só é possível quando deixamos os protocolos de lado e apostamos na conexão, porque só esta traz o entendimento do caminho. E num mundo de infinitas possibilidades todos os caminhos são possíveis e também impossíveis. Por isso a premissa básica é conhecer esse ser inédito e maravilhoso que se encontra a sua frente e deixar que ele te ajude a mostrar o caminho. Por isso que se não sei quem vai tocar minha campainha não posso ter a menor ideia do que vai acontecer na nossa sessão.

Forte abraço, Samorai

 

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