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Será que precisamos fazer um detox de amizades?

Se afastar de amigos tóxicos ou que nos fazem mal é essencial para a nossa saúde mental e sensação de bem-estar

Por Marcela De Mingo
Atualizado em 4 nov 2022, 08h42 - Publicado em 4 nov 2022, 08h00

Com o passar dos anos, é comum o nosso círculo de amizades mudar. Porém, será que todo mundo deveria passar por uma fase de detox de amizades? Rever as nossas relações e cortar laços com pessoas que não nos fazem bem pode parecer extremo, mas é essencial para a nossa saúde e bem-estar

“Somos seres sociais. Isso significa que as relações interpessoais são fundantes para nós”, explica Renata Ishida, gerente pedagógica de conteúdo do LIV e psicóloga clínica. “Quando digo fundantes, é porque realmente é a partir delas que nos tornamos gente, que nos tornamos quem somos. É no convívio com o outro que aprendemos sobre o mundo e sobre nós mesmos.” 

Mais do que isso, explica a profissional, as relações interpessoais são importantes para a nossa saúde mental. Uma revisão de 70 estudos com 3,4 milhões de voluntários, publicada em 2015 no jornal da Association for Psychological Science, mostrou que pessoas solitárias tinham entre 26% e 33% mais risco de morrer nos próximos sete anos. E faz sentido: evolutivamente, sobrevivemos graças à nossa capacidade de interagir em grupo.

Outro estudo, feito em Harvard e que teve a duração de 75 anos de observação e acompanhamento de milhares de voluntários, concluiu que eram as amizades e não o dinheiro ou fama que traziam a felicidade para as pessoas. Ter com quem compartilhar as angústias da vida, brindar as conquistas e pedir ajuda na hora da dúvida ou sufoco, com certeza, pode deixar o caminho mais leve e potente.

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“A delicadeza disso é que as relações são importantes e fundamentais, e não ‘UMA’ relação é fundamental. Ou seja, cultivar relacionamentos faz com que aprendamos mais, sejamos mais criativos, tolerantes, empáticos e comunicativos, mas isso não é sinônimo de se prender a uma relação exclusiva ou ser incapaz de ter momentos sozinha”, complementa. 

COMO SABER SE TENHO AMIZADES TÓXICAS? 

O mais importante, segundo Renata, é perceber se a sensação predominante nessa relação são aquelas que aumentam a sua insegurança e baixa autoestima, como ansiedade, tensão e medo de decepcionar. 

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Para isso, o melhor caminho é o do autoconhecimento: fazer-se perguntas como “o que me faz bem?”, “quais os meus limites?”, “o que me deixa inseguro?” e “quais os meus medos?” ajudam muito nesse processo. 

Outro exercício interessante é olhar com distância e crítica para a situação. Existem alguns pontos que podem ajudar nessa identificação:

  • Excesso de críticas: críticas não construtivas e depreciativas na maior parte do tempo. 
  • Excesso de ciúme: demonstração de ciúme quase sempre quando você está com outros amigos, família ou companheiro amoroso. Ou você acaba deixando de sair voluntariamente com outras pessoas para que seu amigo não se aborreça ou fique chateado. 
  • Competitividade: incapacidade de celebrar alguma conquista sua e frequentemente coloca-se em comparação/competição.
  • Controle: é sempre esse amigo ou amiga que realiza as escolhas, colocando suas vontades em segundo plano. Ou você mesmo esconde suas vontades por achar que a escolha desse amigo ou amiga é sempre melhor.
  • Excesso de cobranças: cobranças por atenção, disponibilidade ou até por ajuda financeira ou outra questão material. 
  • Críticas de outras amizades: quando outras pessoas de sua confiança começam a criticar incisivamente essa amizade, será que não vale escutar? 
  • Intensidade do sofrimento: tente perceber o quão intensa é a dor, incômodo ou angústia que a relação com essa pessoa te provoca.
  • Prejuízo: perder dinheiro, romper com relacionamentos amorosos, faltar a eventos importantes. Quantos prejuízos esse relacionamento já causou?

COMO AGIR DIANTE DE UMA AMIZADE TÓXICA? 

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A base de qualquer relação, segundo Renata, é a comunicação. Começar uma conversa pode ser difícil pelo medo do conflito, no entanto, é importante lembrar também que os conflitos fazem parte da vida, porque somos diferentes uns dos outros. 

“A ausência de conflitos não é sinônimo de relação saudável, muito provavelmente é sinônimo de alguém sofrendo em silêncio”, diz. “Os conflitos, conversas e discussões são importantes para ajustar os pontos, falar sobre expectativas e fazer acordos.”

Por isso, buscar conversar é, sim, importante para dar um próximo passo nessa relação. Começar falando sobre o que é importante para você nesse relacionamento e como você se sente nele é um bom primeiro passo – e uma forma de evitar um conflito imediato. “Quando falamos mais sobre nós do que sobre o outro, a chance de a pessoa ficar na defensiva diminui”, diz.

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Se houver espaço, nessa conversa, marque os seus limites. Vale pensar sobre eles antes do papo para poder comunicá-los de forma clara e monitorar todas as vezes em que ele for ultrapassado. “Caso esse movimento já tenha sido realizado e nenhuma abertura ou escuta da outra parte for possível, será que não está no momento de se afastar?”, reflete a psicóloga. 

Talvez você esteja se perguntando: mas será que essa pessoa não merece uma segunda chance? Se a conversa acontecer e a pessoa perceber um padrão de comportamento que, antes, era inconsciente para ela – a chance de mudar sempre existe. É comum pessoas em situação de poder e manipulação em relacionamentos tóxicos e abusivos não terem consciência do que fazem. 

No entanto, é difícil saber se essa mudança vai, de fato, acontecer ou se a pessoa vai aceitar a sugestão de mudança. 

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“Não somos juízes de ninguém e nossa percepção nunca será imparcial, mas, se você realmente acha que essa relação está fazendo mal, por que mantê-la?”, questiona. “Se o motivo for ajudar essa pessoa, lembre-se de que o afastamento, às vezes até provisório, pode ser saudável para ambas as partes. É um momento para olhar com distanciamento e crítica sobre o que está acontecendo, e cuidar das questões pessoais sem tanto embaralhamento com o momento pelo qual estão passando.”

Se a pessoa reconhecer o que aconteceu na relação e realmente estiver disposta a mudar, muito provavelmente, ela entenderá esse afastamento temporário, mesmo com sofrimento.

COMO LIDAR COM O FIM DE UMA AMIZADE? 

Fato é: o rompimento de uma relação, mesmo de amizade, vai trazer sofrimento. Mas é preciso lembrar que podemos passar por essas quebras sem nos desorganizar, ou nos perdemos de nós. 

Em uma relação tóxica, o que pode ocupar a nossa mente são ideias de que nunca iremos ter uma pessoa tão maravilhosa, que goste tanto da gente, que queira tanto o nosso bem como aquela. Por isso, nos deixamos ser violentadas. É como se aquelas críticas excessivas ou até algum tipo de violência física fosse justificável, “para o nosso bem”. Como se a outra pessoa soubesse mais da vida e da gente do que nós mesmos. 

“Nesse momento, precisamos lembrar que não existe pessoa perfeita e que não precisamos tanto da validação da outra pessoa para que possamos estar no mundo e ser quem somos”, diz. “Se for difícil demais, é sempre bom lembrar que podemos recorrer a um profissional. Sentir mais segurança em ser quem somos, em impor nossas vontades e tomar nossas decisões faz parte de uma vida saudável. Um psicólogo pode auxiliar na construção de uma relação menos tóxica com outros e principalmente consigo mesmo.” 

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