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Quiet quitting: o movimento que pretende rever a relação com o trabalho

A ideia de fazer o mínimo necessário no trabalho considera as implicações da hiperprodutividade na saúde mental e física

Por Marcela De Mingo
21 out 2022, 08h00
quiet quitting
 (Andrea Piacquadio / Pexels/Divulgação)
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O lema “trabalhe enquanto eles dormem” nunca foi tão criticado como nos últimos anos. Em uma sociedade de altíssima performance, em que ir além sempre pareceu não só necessário como uma obrigação profissional e pessoal, a pandemia de coronavírus mostrou que esse conceito está com os dias contados. 

Ou, pelo menos, é isso que parece informar o “quiet quitting”, um movimento que se tornou protagonista das rodas de conversa no mercado de trabalho. O termo, na tradução literal em português, significa algo como “demissão silenciosa”, mas essa não é a melhor maneira de caracterizar o movimento. 

Isso porque a ideia por trás do conceito não é a demissão, mas dar um passo atrás, de forma que os funcionários façam apenas o que é necessário em relação às suas posições profissionais – nada mais, nada menos. 

A INFLUÊNCIA DA PANDEMIA NO MERCADO DE TRABALHO

“Quando falamos de pandemia e trabalho, há pontos a serem considerados. Há pessoas que se adaptaram e gostaram do trabalho remoto e há aqueles que se mantiveram no trabalho presencial, onde a rotina pode ter gerado uma maior sensação de insegurança, medo e desconforto”, explica Cristiane Santos, neuropsicóloga e mestre em Psicologia Clínica e da Saúde e psicóloga do Núcleo de Atendimento Psicológico e Psicopedagógico da Faculdade Santa Marcelina. 

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No momento de fechamentos e quarentenas, as pessoas precisaram se adaptar, levando o ambiente de trabalho para dentro de casa e misturando-o ao cotidiano caseiro, literalmente da noite para o dia. 

“Esse movimento desencadeou uma série de consequências, do ponto de vista emocional, como ansiedade, depressão e burnout, pois, estando em casa, aparentemente tudo era possível, sem limite de tempo”, explica. “Como não havia o convívio social, as pressões foram acontecendo tanto do lado das empresas, quanto do lado do próprio funcionário (autopressão), que desconhecia seu próprio limite.”

Para começo de conversa, o home-office passou a interferir diretamente na dinâmica familiar. Na vida, ocupamos funções diferentes: somos pais, amigos, filhos, vizinhos, funcionários… Mas a pandemia misturou algumas dessas funções de maneira complexa, e fomos obrigados a cumpri-las de forma inexperiente e inesperada. 

“Com o passar do tempo, e com o entendimento das responsabilidades e limitações, a rotina foi sendo reorganizada e equilibrada, até que nos dias de hoje, muitas empresas optaram pelo trabalho em home-office de forma definitiva”, reflete. 

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O BOOM DO BURNOUT

Mas tudo isso não sem um grande efeito na saúde mental da população. Este ano, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o burnout oficialmente como uma doença do trabalho e, de acordo com uma pesquisa desenvolvida pela LHH do Grupo Adecco, uma empresa de recursos humanos suíça com atuação em mais de 60 países, 38% dos entrevistados disseram ter sofrido burnout no último ano. 

“A definição de saúde mental no trabalho se dá pela capacidade de alcançar o bem-estar cognitivo, comportamental e emocional, que coloca o indivíduo como sendo capaz de usar as próprias habilidades, para recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com sua empresa, alcançando um equilíbrio entre as atividades”, explica Cristiane. “Portanto, a relação entre trabalho e saúde mental é direta e inseparável. Se a saúde emocional do trabalhador está estável, tudo vai fluir: entregas no prazo, produtividade, organização, etc.”

Um ambiente favorável, diz a profissional, eleva a qualidade da motivação e interfere na moral da equipe, gerando facilidades necessárias para que cada funcionário se empenhe e entregue seu melhor.

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O problema – que ficou bastante claro durante a pandemia – é que o profissional é, acima de tudo, um ser humano, e a pressão para entregar bons resultados o tempo inteiro, a competitividade do mercado, a busca por “mais e melhor”, a remuneração que pode estar aquém da realidade e das atribuições daquele profissional podem interferir no desenvolvendo de doenças como a depressão, a ansiedade, o alcoolismo e o consumo de drogas. 

O CASO DO QUIET QUITTING

O termo “quiet quitting” viralizou com um vídeo no TikTok no qual o criador de conteúdo @zaidleppelin explica que o conceito não significa entregar o seu aviso prévio, mas sim desistir da ideia de ir além o tempo inteiro quando o assunto é trabalho. 

@zaidleppelin

On quiet quitting #workreform

♬ original sound – ruby

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O que ele explica é, justamente, uma desistência da ideia de fazer mais do que o seu escopo de trabalho, assumir responsabilidades sem uma remuneração justa e, principalmente, sacrificar a sua vida pessoal e a sua sanidade mental em nome da profissão. 

“Quem adere a esta filosofia de trabalho está longe de pedir demissão”, explica Cristiane. “O quiet quitting indica que o profissional decidiu limitar suas tarefas às estritamente necessárias dentro de descrição e seu contrato de trabalho, evitando longas jornadas e sobrecarga. Essa possibilidade pode estabelecer limites claros e objetivos entre a vida profissional e a vida pessoal.”

Com isso, o resultado é um trabalho em que as obrigações profissionais são cumpridas, sem a necessidade de viver somente para trabalhar. O quiet quitting, continua a neuropsicóloga, auxilia na organização do tempo para o lazer e a família e, ao chegar em casa ou determinar o fim do dia profissional, deixar o trabalho para trás. 

Doenças como a síndrome de burnout têm relação direta com o trabalho, por isso, como forma de reverter os seus sinais e sintomas, torna-se necessário uma gestão humanizada, atenta e capacitada a perceber os primeiros sinais dessa condição. Essa visão mais abrangente deve vir, primeiro, da própria empresa, que precisa saber orientar o funcionário a buscar ajuda especializada, bem como reorganizar o seu escopo de trabalho de maneira a aumentar o tempo dessa pessoa com familiares e amigos, e para que ela consiga também praticar atividade física e descansar. 

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“A adesão ao quiet quitting, pode auxiliar e muito, no combate e prevenção ao burnout, pois as rotinas e entregas de trabalho são discutidas e combinadas, favorecendo assim, uma organização de ambos os lados. Todos sabem o que devem fazer e pelo que serão cobrados. Por outro lado, as empresas, conseguirão se organizar para que seus cronogramas não falhem. Não existirão surpresas”, finaliza. 

Resta saber se as empresas – que têm olhado para o movimento com o nariz torto – vão, de fato, entender esse movimento como algo positivo e que, a longo prazo, melhora a produtividade e a entrega dos funcionários, ou se essa é uma conclusão que vai precisar partir primeiro dos próprios funcionários para, em seguida, infiltrar-se na cultura das empresas. 

Fato é, fazer o mínimo não parece tão absurdo quando pensamos que todos somos contratados para fazer um número de atividades, mas, no dia a dia, acabamos assumindo outras responsabilidades por medo de uma demissão, por termos comprado a ideia da hiperperformance ou apenas porque queremos demonstrar sucesso no LinkedIn. 

De qualquer maneira, adotar essa postura tem prós e contras, mas se há um equilíbrio maior entre o profissional e o pessoal parece interessante para você, não há porque não fazer essa troca de bom grado. 

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