Menstruação e esporte: como as atletas lidam com os ciclos
Avanços incluem novas opções de absorventes adequados à prática de atividade física, mas há tabu sobre uniformes e até uso do banheiro em competições
Na última sexta-feira (6), a jogadora de vôlei Tandara Caixeta precisou deixar as Olimpíadas de Tóquio. Ela foi pega em um exame antidoping que acusou a presença de Ostarina (Ostarine), substância relacionada ao controle do ciclo menstrual, mas que pode causar aumento de massa muscular. O caso fez reacender um debate antigo, mas ainda não superado, sobre a menstruação no esporte. Entre as queixas das atletas estão uniformes pouco confortáveis para o período, efeitos colaterais dos anticoncepcionais, absorventes que não atendem as necessidades da prática de exercício e claro, a falta de um debate mais aberto sobre o assunto no meio. Apesar de ser um processo natural, o ciclo menstrual ainda é cercado de tabus.
MÉTODOS ANTICONCEPCIONAIS MAIS INDICADOS PARA ATLETAS
Muitas atletas optam por interromper seus ciclos em períodos de competição. Outras seguem o fluxo natural do corpo. Caso a atleta deseje usar anticoncepcionais orais, a escolha deve ser feita de maneira criteriosa. “A pílula aumenta a produção de SHBG (globulina ligadora dos hormônios sexuais) pelo fígado, diminuindo assim a testosterona livre. Isso pode causar impacto no percentual de gordura corporal, dificuldade no ganho de massa muscular e na diminuição da força e energia”, afirma a ginecologista especializada em fertilização Amanda Volpato. Outras opções, como o DIU de cobre, em alguns casos, pode diminuir o desempenho no período pré-menstrual e também durante o fluxo. Já o implante subcutâneo de etonogestrel é recomendado para quem tem baixo fluxo menstrual e o implante de elcometrina é indicado para quem tem um fluxo grande. “Vale ressaltar que o implante de gestrinona é item proibido nas atletas, sendo considerado doping pela WADA devido a sua ação androgênica”, conta Amanda. Para ela, a melhor opção seria o DIU hormonal, que não costuma ter efeito colateral e mantém o desempenho da atleta.
Segundo Amanda Volpato, nenhum anticoncepcional oral é considerado doping. “Não há anticoncepcional, ou regulador hormonal, à base de SARM (Selective Androgen Receptor Modulators), em português, moduladores seletivos do receptor de androgênio. Os SARMs foram proibidos pela Anvisa em janeiro deste ano pois a substância não é indicada para tratar nenhum problema de saúde. Então, por prescrição médica, não há uma indicação para uso. A ostarina é uma substância que imita a testosterona, só que supostamente com menos efeitos adversos, conhecida como um anabolizante”, compartilha a profissional.
MAIS OPÇÕES DE ESCOLHA
Nos últimos anos, empresas passaram a desenvolver alternativas mais confortáveis para quem menstrua e precisa manter a rotina intensa de treinos e provas. São coletores menstruais, absorventes e calcinhas para atletas que aumentando seu poder de escolha sobre como lidar com seu ciclo – e superam a proteção oferecida pelos absorventes descartáveis convencionais. A pesar das opções, a melhor delas é a que faz com que a atleta se sinta mais confortável. “Para mim, o absorvente íntimo em conjunto com um uniforme adequado as nossas necessidades é a melhor solução”, conta Vanessa Crisatina Pereira, jogadora de futsal eleita a melhor do mundo em 2010, 2011 e 2012.
A triatleta Elisa Spader fundou a Yuper, marca que produz coletores menstruais para prática de exercícios, enquanto treinava para uma prova de Triathlon. “Ter optado por um coletor ali me ajudou a terminar a prova, mas também despertou minha curiosidade para a relação que as mulheres têm com a menstruação. Descobri que para mais da metade delas é péssima e decidi ajudar a mudar um hábito envolvendo o período menstrual”, conta. Os coletores e discos menstruais da Yuper podem ser utilizados por até 12 horas, prometendo liberdade para a prática de qualquer exercício.
Mariana Betioli, obstetriz e fundadora da marca de coletores menstruais Inciclo, defende a importância, praticidade e conforto que os coletores menstruais trazem para atletas, independente da modalidade, inclusive as de alta performance. “Algumas atletas chegam a tomar doses de hormônio para cortar a menstruação, escolha que não pode ser feita sem um rígido acompanhamento médico. As tenistas, por exemplo, enfrentam não só a barreira da disputa esportiva, mas também um universo de itens que acabam se tornando um problema”, conta. “É comum que se pratique tênis usando roupas brancas, além da tradicional mini saia. Alguns campeonatos, inclusive, só liberam uma ida ao banheiro durante o set, o que pode gerar bastante desconforto, dependendo do absorvente que for usado. O coletor, nesse tipo de situação, é um produto super bem-vindo”, acrescenta a obstetriz.
Pensando no empoderamento e conforto feminino, a Pantys, empresa brasileira de calcinhas absorventes, lançou uma coleção fitness com quatro peças. Além da trainer, a calcinha absorvente, há a sport (camiseta com tecido modal e tule respirável), a velocity (legging) e os runner (shorts de exercícios). A inspiração foi o relatório “Movimento é Vida”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que mostrava que a prática de exercícios físicos por mulheres no país é 40% inferior à dos homens.
Além de se preocupar com absorventes e a menstruação, Vanessa também menciona a dificuldade em se sentir confortável nos uniformes, que muitas vezes não são para o bem-estar das atletas, mas sim, sobre como sua imagem irá ficar. “A maior parte dos uniformes feminino são com pensamento no bem-estar de quem desenha, de quem pensa no que pode gerar a imagem de uma mulher vestida com um uniforme mais justo. Em 2005, quando jogava em uma equipe em Minas, o uniforme era colado e um pouco transparente e minha menstruação desceu antes do jogo, já estando no ginásio, e não tinha comigo absorvente. E durante o jogo o desconforto de ter que se preocupar se estava no lugar correto? Outra vez que tive o calção sujo e tive que sair do jogo pra lavar e voltar”, conta a jogadora.
TUDO BEM TREINAR MENSTRUADA?
Há diversas especulações sobre o tema (muitas infundadas). “É normal a mulher se sentir inchada, indisposta e até com dores no corpo. Durante o período, a taxa de estrógeno, que é o hormônio relacionado à disposição, ao sono e ao relaxamento, fica baixa em determinado período do ciclo e isso pode diminuir a energia. No entanto, quando a mulher, apesar do desconforto, opta por praticar atividade física no período, o corpo libera serotonina e endorfina, que são neurotransmissores ligados à sensação de bem-estar”, conta Amanda Volpato.
Durante a prática de exercícios, ocorre a vasodilatação que melhora a irrigação sanguínea nos músculos e alivia cólicas, além de ajudar no inchaço e liberar endorfina, que é um analgésico natural. É preciso sempre se lembrar de que a menstruação não é impedimento para ninguém, mas que o ciclo de cada pessoa é algo diferente e o conforto deve ser priorizado. “Cada mulher vai reagir de uma forma de acordo com seu período menstrual. Aquela mulher que não se sente confortável em treinar, fica com muita cólica, indisposta, deve procurar atividades mais tranquilas como uma caminhada por exemplo, que irá ajudar na redução do inchaço e melhorar o bem-estar. Aquelas que não possuem desconforto podem treinar normalmente ou até diminuir a intensidade do treino caso haja necessidades”, diz Amanda Biuger, preparadora física e especialista em treinos para mulheres, dá a dica.
AMENORREIA E O IMPACTO NA PERFORMANCE
Na esfera profissional, dependendo do esporte praticado, a menstruação pode acabar alterando a rotina de treinos. “A atleta tem acompanhamento profissional e pode adaptar seus treinos durante o período, se necessário. Pode acontecer que, com a prática intensa de atividade física, algumas mulheres tenham amenorreia, que é a ausência de menstruação. Cada caso é um caso e só o médico pode avaliar a melhor alternativa”, explica Amanda Volpato.
Vanessa também relata a seriedade – e cuidado que o ciclo menstrual feminino é tratado pela equipe. “Com o passar dos anos e com os profissionais que trabalham comigo, aprendi que posso adaptar meus treinamentos para aproveitar melhor as fases do meu ciclo. A questão do ciclo é levado muito a sério. Sabendo que afeta alguns aspectos físicos e psicológicos, costumamos conversar sobre o assunto e trabalhar de acordo com minhas necessidades do período. Acredito ser importante para a saúde das mulheres atletas ter um acompanhamento individual desse tipo, uma vez que somos afetadas de formas diferentes com tudo isso”.
A amenorreia hipotalâmica acontece pelo excesso de liberação das beto endorfinas, que fazem uma função inibitória no cérebro, bloqueando a secreção hormonal do gene rh que estimula a menstruação. Isso acaba levando ao hipoestrogenismo (uma queda do estrogênio) e suas consequências se assimilam à menopausa, como perda de massa óssea (risco de osteoporose) e alterações cardiovasculares por conta dessa deficiência de estrogênio. O tratamento pode incluir reduzir a quantidade de atividade física e, em alguns casos, repor os hormônios.
O impacto da menstruação na performance depende de pessoa para pessoa, explica o médico do esporte e fisiatra Fabrício Buzatto. “Às vezes, no período menstrual, a força da mulher pode ser maior em relação com o estrogênio. Ele pode desfavorecer a performance, talvez pela sensação de não estar à vontade com a menstruação em si. Mas do ponto de vista fisiológico e biológico, não há interferência”. O profissional afirma que o conhecimento do fluxo menstrual é o mais importante. “A gente recebe muitas mulheres no consultório que têm o fluxo menstrual muito intenso e muito longo, então elas começam a ter queda da ferritina (proteína produzida pelo fígado, responsável pelo armazenamento do ferro no organismo) e com isso seu rendimento cai, antes mesmo dela ter uma anemia, então precisa-se ser avaliado e tratado”.
Esse especial faz parte da edição de agosto de 2021 de Boa Forma,
que traz a dupla Anavitória em sua capa.
Clique aqui para conferir os outros especiais.