O treino online que parece um abraço
“Eu escuto mais o que as pessoas fazem, do que o que as pessoas falam.”
Estava escutando um podcast e o escolhido da vez foi um do Érico Rocha. Foi então que ele citou a frase que inicia o texto e ela teve o poder de traduzir o significado do treinamento 3Dimensional para mim.
Eu perdi as contas de quantos ensinamentos o treinamento 3Dimensional me trouxe. Porém, nada mais rico do que a ideia de ser necessário entender mais sobre pessoas e não somente sobre exercício.
Escutar sempre foi uma característica marcante da minha personalidade. Eu sempre era escolhida para ser a ouvinte, desde as amigas da época de escola, aos meus colegas de trabalho. A audição sempre foi mesmo o meu sentido mais aguçado, mas escutar requer mais que ouvir. Ou seja, é necessário prestar atenção ao assunto, perceber o que foi dito, sentir as palavras, memorizar o assunto e levar em consideração o que o outro fala.
Desde os 6 anos, eu já sabia qual seria o programa com meu pai: sentar em frente ao som e trocar os discos de vinil, que pouco mais à frente se tornariam CD’s, ao longo de infinitos domingos, para escutar cada música atenta ao som do baixo, guitarra, bateria, percussão, instrumentos de sopro e a entonação do cantor. Apurar a audição, então, é algo que fui fazendo ao longo da vida e a música tem um grande papel nisso, afinal, eu precisava me silenciar para ouvir o que a música tinha a me dizer, muito além das palavras.
O mesmo acontecia ao assistir um cantor em palco e, um bom exemplo, é o Freddie Mercury ao interpretar a música “How can I go on” com Montserrat Caballé, a cantora lírica espanhola. Ao assistir ao vídeo no qual eles cantam juntos, é notório, em um determinado momento da música, como ele passa a viver aquela canção e o movimento dele em palco é de acordo com a emoção que a música expressa. Basta ler os seus movimentos para perceber.
Então, além da escuta ativa, percebi que ao escutar além das palavras e dos sons, eu teria um aprendizado enriquecedor. Era preciso ouvir muito além e é isso que, para mim, define o treinamento 3Dimensional. Ouvir além das palavras!
Música, escuta, Freddie Mercury e treinamento 3Dimensional – “O que há em comum?”, você pode se perguntar.
Bom, terminei a minha graduação em Educação Física há pouco mais de 10 anos e em 2020, assim como todo o mundo, literalmente, fui surpreendida pela pandemia e um dos meus primeiros questionamentos foi: como vou conseguir fazer o meu trabalho e levar ao meu aluno o acolhimento, de costume, através de uma tela de celular e entregar resultados de reabilitação?
Percebi que aquele seria o meu primeiro grande desafio da pandemia. No entanto, para minha sorte, ao final de 2019 tomei uma das decisões mais acertadas, que foi me matricular em uma mentoria que iria me tornar especialista em treinamento 3Dimensional. Ou devo dizer, especialista em pessoas! Treinamento 3D é igual a pessoas.
Mas, como eu disse, o meu primeiro desafio seria tornar pessoal algo que logo de imediato eu julgava tão frio, como a tela de um celular, em algo capaz de levar ao meu aluno o que ele necessitava, de forma que se sentisse acolhido. Então recorri ao professor do curso, meu mentor e, hoje, grande amigo, Samorai, que além de me ensinar tudo que sei sobre treinamento 3Dimensional, mostrou que deveríamos ativar outros sistemas além do cinestésico, o que, diga-se de passagem, é o mais valorizado na minha profissão, e focar em algo além do que os meus olhos poderiam ver de maneira óbvia e meus ouvidos escutar sem muito esforço, que é a expressão de cada aluno.
Foi, então, que aquela ferramenta, antes vista por mim como fria e incapaz de transmitir alguma emoção, seria o meio que me possibilitaria ajudar tantas pessoas com suas dores e limitações.
Dou aulas 100% online, algumas ao vivo e outras não. Tudo depende da necessidade do aluno! Para a maioria dos casos de reabilitação, não abro mão de estar em contato com o aluno em tempo real, nos primeiros meses.
Naquele momento eu começo a criar uma conexão com os alunos de tal forma que preciso manter meus olhos bem atentos para escutar. É isso mesmo que você leu! Os meus olhos passaram a ser solicitados com a mesma precisão que os meus ouvidos percebiam as alterações de tom de voz do cantor em uma música. As palavras até poderiam mentir, eventualmente. Mas, o gesto dificilmente seria camuflado.
Foi preciso estar atenta para perceber desde o desviar de olhos, ao falar, até o pisar sem vida, ao caminhar. Conectar-me com cada aluno de uma forma única para que um gesto mais ou menos confiante fosse percebido em todo seu desenrolar.
De lá para cá, fui apurando a minha escuta visual para perceber coisas que o próprio Samorai sempre traz, como, por exemplo: temos que entender que uma pessoa tímida se movimentará de forma completamente diferente de uma enfurecida. Ou seja, eu precisava ficar atenta às emoções que eles me trariam nos movimentos.
E existe algo que vive mais em montanha russa, desde o último ano, do que as nossas emoções? Pessoas em casa tristes, decepcionadas, enfurecidas, saudosas, doentes, mental e fisicamente, e tudo isso ao mesmo tempo. Como será o movimento dessa pessoa e como perceber essas emoções além da visão?
Foi necessário olhar, ainda mais, cada gesto do aluno para notar quando algo era feito com muita ou pouca confiança e isso percebido apenas pela intensidade que ele dava a esse movimento. Sem dúvidas isso também era algo que eu me atentava durante o presencial, mas no on-line eu não poderia perder um segundo do gesto. Uma conexão contínua era necessária.
Então, eu não poderia usar qualquer ferramenta para fazer aquele trabalho! Tinha que ser a melhor disponível para que áudio e imagem não ficassem perdidos. Fones de ouvido para que até o oscilar da respiração ao fazer alguns gestos fosse notado com clareza. As aulas precisavam acontecer em locais bastante iluminados e eu não abria mão de enxergar o aluno em sua totalidade. Literalmente, dos pés à cabeça! Notificações de celular silenciadas para que minha atenção não fosse roubada em nenhum momento.
Assim fui percebendo que escutar o gesto das pessoas me permitia entregar acolhimento e o treinamento que era necessário para ela. E isso foi confirmado no dia em que uma aluna, que sentia muita dor no joelho e estava impedida de fazer a sua corrida matinal, ao finalizar o seu treino, disse que aquele treino mais parecia um abraço!
Ali eu entendi que o online era um meio poderoso e que eu poderia entregar o que o aluno precisava. Bastava me conectar com ele, muito além da fibra óptica que fazia os nossos celulares se comunicarem. A cada aula, eu me conectava ao seu gesto e, assim, nada se perdia.
Foi preciso levar isso em consideração para entregar a cada aluno o que ele necessitava no seu processo de reabilitação. Entender que o abraço, que é um dos gestos mais afáveis e energizantes que temos, agora seria dado através dos movimentos e da entonação que eu daria às palavras.
Entender que uma dor pode ser dita na fala, porém será mais clara ao ser traduzida em um gesto. Nem sempre a fala tem o poder de deixar claro o que o corpo está sentindo. Mas, ao se movimentar, é impossível esconder as emoções.
Foi, então, que eu voltei novamente aos domingos com meu pai e fiquei feliz por todas as vezes que ele falava: “filha, escuta essa música comigo”. Olha a magia que emana nessas palavras!
É verdade, pai! A magia de conseguir ouvir além das palavras ultrapassa as barreiras da tecnologia!
Paula Sueli
Dedico esse texto ao meu amado pai, aniversariante do mês, que me ensinou a viver sabendo acompanhar e se adaptar à vida sem perder o ritmo, e ao querido Samorai, que me apresentou a riqueza do treinamento 3D.