Como a corrida ajudou a blogueira Déborah Aquino a vencer o câncer

Acostumada a enfrentar grandes maratonas, a dentista Déborah Aquino se viu frente a um novo desafio em dezembro de 2013: superar um câncer de mama. Apesar do medo, da revolta e do sofrimento que o tratamento provoca, a autora do Blog da Debs encarou a doença como um presente e uma oportunidade de entender e mudar sua vida. A corrida foi fundamental para que ela tivesse determinação para encarar tudo isso. E o câncer, por sua vez, fez com que a blogueira encontrasse um novo sentindo para o esporte

Por Yara Achôa (colaboradora)
Atualizado em 21 out 2024, 19h19 - Publicado em 9 jul 2014, 22h00
Yara Achôa
Yara Achôa (/)
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Domingo, 29 de setembro de 2013. No final daquela manhã, após cinco anos de espera, Déborah Aquino – dentista de formação e hoje autora do Blog da Debs, sucesso nas redes sociais – havia cruzado o Portão de Brandemburgo, linha final da Maratona de Berlim, na Alemanha, fechando os 42 quilômetros com o tempo de 3h26m, marca ótima para uma atleta amadora de 38 anos, mãe de uma menina de 3 anos. “Foi um dos momentos mais mágicos da minha vida. Me senti uma vencedora por conseguir realizar algo que queria muito. Estava planejando isso havia cinco anos, mas acabava desistindo por causa de lesões. Tive cinco fraturas por stress, uma em cada ano. Não entendia o porquê, mas hoje encaro como sinais que mostravam que eu precisava parar para reavaliar minha vida”, conta.

Chegar ali não foi fácil. Os meses que antecederam a tão sonhada corrida foram de muito treino, determinação, abdicação. E também de aflição. “Em abril, fazendo um autoexame, senti um caroço na mama esquerda. Fiquei apavorada. Liguei para o meu ginecologista e fiz uma mamografia e um ultrassom. Os exames acusaram quatro nódulos, todos de aspecto benigno. Mas sou muito ansiosa e, lá no fundo, sentia que tinha algo errado. Sugeri ao médico uma biópsia.” Mesmo o resultado apontando ausência de células malignas, Debs queria retirar os nódulos. Porém foi convencida pelo especialista a esperar e repetir os exames mais para a frente.

Em agosto, o mesmo caroço voltou a incomodar. Procurei um mastologista, que pediu uma ressonância. E, de quatro, os nódulos haviam passado para oito. Fiquei assustada com essa multiplicação, mas o médico insistiu que estava tudo bem.” Como estava às vésperas de encarar a desejada maratona, prestes a fazer uma viagem de sonhos pela Europa, com o marido, Debs acabou relaxando um pouco. A corrida e o passeio foram perfeitos.

De volta ao Brasil, a blogueira resolveu fazer um novo check-up. “Procurei um dos melhores mastologistas de São Paulo, que me examinou, olhou todos os resultados anteriores e disse que eu estava com `cancerofobia’. Sugeriu repetir a ressonância somente em fevereiro.” Não satisfeita, ela procurou o endocrinologista Ronaldo Arkader, médico que acompanha sua família há anos, e, com jeitinho, pediu que ele prescrevesse o tal exame. “Todo mundo estava me chamando de neurótica, mas eu queria fazer.” Os oito nódulos de agosto passaram para 12 em novembro. E agora a biópsia se fazia necessária. “Liguei para o mastologista e expliquei. Ele riu e disse: ‘Você é teimosa! Vamos fazer a biópsia, só que não vai dar nada. Seu nódulo é muito redondinho’ “, conta.

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Quarta-feira, 18 de dezembro de 2013. Debs estava em uma sala de espera, aguardando a consulta com sua dermatologista, acompanhada da filhinha, Duda. O celular tocou. Era o doutor Ronaldo, pedindo que ela fosse à sua clínica. “De imediato, perguntei: ‘Estou com câncer?’ Ele respirou fundo e respondeu: ‘Sim, está, mas vai ficar tudo bem’. Comecei a chorar. Só via minha filha dizendo: ‘Mamãezinha, não chora’. Parecia que eu tinha recebido uma sentença de morte. Pensei em quantas vezes ela quis brincar e eu não estava disponível, nas ocasiões em que pensei falar ‘eu te amo’ para meu marido e deixei passar, nas vezes que não fui ver minha mãe na cidade em que ela mora porque tive preguiça. Senti medo do futuro – porque é tanta falta de informação que você acha que vai ficar mutilada. Quem diria que a corredora, tão saudável, que tinha acabado de fazer uma maratona fantástica, estava com câncer e nem sabia?”

Uma nova prova

Sábado, 21 de dezembro de 2013. As seguidoras no Instagram, que já passavam das 60 mil naquela época, estavam estranhando o silêncio de Debs, que não postava uma palavra havia quatro dias. “Sou muito transparente e achei que não ia dar conta de manter o alto-astral ali. Eu ia desativar meu perfil.” E foi com um desabafo emocionante que a blogueira contou o que se passava com ela. “Gente, infelizmente, o imponderável acontece. Recebi o resultado da biópsia e veio positivo para câncer de mama. Perdi o chão. Chorei e me revoltei. Até que me dei conta de que poderia encarar como um castigo ou como um presente. Preferi encarar como um presente, uma oportunidade de entender e arrumar certas coisas na minha vida. Estou bem, já marquei a cirurgia e vou vencer essa doença.”

Debs teria de passar por uma cirurgia para a retirada dos nódulos em uma das mamas, mas resolveu fazer a mastectomia bilateral (remoção do seio em que o câncer se manifestou e, preventivamente, também do sadio), com a reconstrução logo em seguida. Também sabia que teria de enfrentar a quimioterapia. “Passada a fase da revolta e do medo, senti que estava pronta para outra maratona. Decidi encarar a doença como uma prova de longa distância, encarando 1 quilômetro por vez. Porque não adianta pensar só na linha de chegada. Não existe uma mágica que faça você largar no quilômetro 1 e aparecer no 42. Pelo caminho, você tem surpresas – e no tratamento imaginei que também poderia ser assim. Eu teria que lidar com os imprevistos no momento em que eles aparecessem. Com a corrida, também aprendi que desistir não era uma opção. Em um treino difícil, eu chorava, me descabelava, mas não desistia. Coloquei na cabeça que no dia a dia também seria assim. Olhei para minha família e pensei: por eles e por mim, vou enfrentar essa doença até o fim. O esporte foi meu grande suporte.”

Ela iniciou o tratamento e fez o possível para manter uma rotina normal, inclusive com atividade física. “Meu médico disse que o cansaço seria o meu limite. Até a terceira sessão de quimioterapia, eu fui para a academia e corri tranquilamente três vezes por semana.”

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Despedir-se dos cabelos, quando os fios começaram a cair, em fevereiro, foi uma etapa difícil. “Acho que, de todas as fases, essa foi a mais complicada. Quando tive de cortar, chorei muito. Não por revolta, mas porque sou leonina, ascendente em Leão – sou vaidosa mesmo. Mas daí resolvi valorizar o que amo em mim: o sorriso e o olho grande”, conta.
 

Como a corrida ajudou a blogueira Déborah Aquino a vencer o câncer

Déborah Aquino beija sua filha de 3 anos, Duda.
Foto: Guto Gonçalves (Estúdio 13)

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E bateu o cansaço

“Na maratona, por mais que a gente tenha se preparado, chega uma hora em que o corpo dói, a mente fraqueja e você se pergunta por que está fazendo aquilo e quando aquele ‘sofrimento’ vai acabar. Durante o tratamento, também tive momentos de desânimo”, compara. Ela diz que a químio destrói tudo no organismo – tanto as células doentes como a serotonina e a endorfina (substâncias ligadas ao bem-estar). “Com isso, meu humor oscilava. Tinha dias em que ficava nervosa, sensível, desabava em choro. Não fui positiva o tempo todo – meu marido que o diga. E para mim, que vivi tudo isso na pele, não passou rápido. Mas, está passando. Hoje gosto de olhar para trás e ver o quanto caminhei até aqui.”

De onde vêm a energia, a força e a determinação de Debs? “Meu pai era um grande piadista e adorava fazer os outros rirem. Acho que esse jeito alegre puxei dele. E, como eu era o patinho feio da turma – alta e magrela, usava óculos e aparelho -, ser engraçada e extrovertida fez com que eu fosse aceita pelo grupo. A determinação começou a brotar no final da adolescência. Minha mãe dizia que não ia pagar faculdade particular, já que sempre tinha me mantido em boas escolas ao longo da vida. Quando fui prestar vestibular, não tinha opção: passava em uma pública ou ia trabalhar para pagar meus estudos. Eu me dedicava 12 horas por dia com medo de não passar. E assim entrei em odontologia na USP, na Unesp e na Unicamp e em medicina na UFGO. Agora, acho que a determinação que mostro hoje só surgiu efetivamente e com força depois que descobri o esporte.”

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Se no início Debs saía correndo desgovernada, sem nenhuma orientação, apenas pelas boas sensações que isso proporcionava, agora ela garante que as coisas mudaram. “Continua sendo o meu momento de colocar as ideias em ordem e ter contato com Deus. Mas, antes do câncer, eu não sabia por que corria. Simplesmente disparava, tipo um Forrest Gump sem rumo. Acho que era uma fuga de mim mesma. Ia cada vez mais longe e mais rápido, mas não olhava o céu e as pessoas em volta. Mas entendi que não preciso correr de nada. Meus medos e minhas inseguranças, trato de outra forma. Então a corrida fica mais pura. Os pensamentos e as ideias fluem melhor.”

Linha de chegada

Segunda-feira, 9 de junho de 2014. Essa é a data prevista para a última sessão de quimioterapia de Debs. “O grande aprendizado dos últimos meses foi: se você não parar, a vida vai fazer isso por você. O câncer me fez rever as prioridades. Me mostrou um marido que eu não conhecia: parceiro, amoroso, companheiro de vida. Porque é fácil ser tudo isso na alegria. Ele me mostrou que eu – a rainha das turmas de ‘amigos’ – não tinha tantos amigos quanto imaginava. Os que tenho hoje são poucos e bons. A doença me deu a chance de realmente ser mãe, já que antes eu acho que brincava de boneca com a Duda. Também aprendi a redimensionar os problemas e ver que cada um tem seu tamanho. E não tenho mais a necessidade de querer agradar todo mundo. Ainda não atingi meu equilíbrio, mas chego lá. A nova Debs tem só cinco meses.”

Aos poucos, ela também quer retomar seus projetos. “Vou me focar no crescimento da coleção de roupas que tenho e fazer um curso de medicina antroposófica. Ainda pretendo me dedicar a um trabalho voluntário com pacientes com câncer. No esporte, quero muito aprender a andar de bicicleta para fazer uma prova de triathlon, nem que seja só uma. E, para comemorar minha cura, sonho em correr a Maratona de Boston, objeto do desejo de qualquer maratonista, em abril de 2015.”

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