Culpa X Pandemia: Estou sendo produtivo o bastante?

Dicas de especialistas para se sentir melhor e viver dias mais leves – sem se cobrar tanto – durante tempos difíceis

por Thieny Molthini Atualizado em 2 out 2020, 12h30 - Publicado em 6 ago 2020 07h16

Há alguns meses você pedia um pouco de tempo para conseguir colocar a sua vida em ordem: começar aquele curso, ler alguns livros ou conseguir arrumar o quartinho da bagunça. Então, surge uma pandemia. Agora, você está em casa. Mas, mesmo assim, tudo aquilo que gostaria de realizar ainda parece distante. E não importa o que faça, você sente que não é o suficiente. Afinal, está trabalhando home office, como não consegue dar conta de tudo? Se esse sentimento de culpa na pandemia te acompanha, saiba que você não está sozinho. Que tal pegar leve com você? 

O que é a culpa?

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A culpa por fazer “de menos” consome os pensamentos (Maskot/Getty Images)

Segundo especialistas, em geral, a culpa surge como consequência de atitudes que podem ter gerado danos a outras pessoas ou de alguma situação de quebra de regras. Em resumo: quando você faz algo sabendo que não deveria ter feito ou, então, se dá conta disso depois. 

No entanto, na situação que vivemos atualmente, esse sentimento pode estar mais ligado à uma frustração do que uma atitude em si. “Na maior parte das vezes, quando não há um dano ou uma falta evidente, a culpa pode ser interpretada como uma resposta rápida para um sentimento de angústia, de ansiedade”, explica Cristiane Izumi Nakagawa, doutora em psicologia social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e coordenadora do Núcleo de Estudos e Trabalhos Terapêuticos (NETT).

No contexto da pandemia, essa culpa também pode estar bastante ligada a um sentimento de frustração por não estarmos conseguindo atingir padrões que nós mesmos criamos — ou a sociedade. Segundo Débora Guerra, médica especializada em psiquiatria e psicologia, é quando não conseguimos alcançar esse ideal que surge a frustração e, com isso, o sentimento de culpa. “Ela surge pela distância entre o que não fomos e a imagem do que achamos que deveríamos ter sido”, explica.

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Culpa na pandemia

Você sempre foi cobrado a entregar mais em menos tempo, a fazer melhor com menos recursos, a trabalhar com aquilo que tem. Por isso, estar em casa não mudaria essa necessidade. Mas não estamos em um momento qualquer. 

“Vivemos em uma sociedade que impõe um ritmo acelerado de viver, cujo pensamento é sempre voltado para o que ainda não fizemos e teremos que fazer no dia seguinte. Dessa forma, nada parece ser suficiente”, comenta Débora.

De acordo com Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA), esse sentimento de que não estamos dando conta é antigo e só cresce com a quantidade de cobrança que recebemos de todos os lados. “Você tem à sua disposição muita tecnologia e informação, então deve produzir”, comenta o especialista. “Faltava tempo, mas a pandemia colocou isso em cheque. Afinal, agora, em casa, todos devem ter tempo de sobra. Só que não funciona bem assim”, pondera.

Cuidar da casa, do trabalho, das relações… Sempre muita coisa
Cuidar da casa, do trabalho, das relações… Sempre muita coisa (Willie B. Thomas/Getty Images)

Mas não falamos apenas de trabalho.

A necessidade de cumprir tarefas vai além, como manter a casa limpa, se exercitar, manter a alimentação equilibrada, treinar, cuidar dos filhos, desenvolver novas habilidades. 

Segundo Cristiane, essa cobrança, ao que tudo indica, pode estar ligada às relações de trabalho que vivemos, nas quais prevalece a exigência de que se produza incessantemente e de maneira crescente. “Nós deveríamos debater essa cobrança de maneira ampla, sobretudo em meio ao grave problema de saúde pública que estamos testemunhando. A manutenção de certos tipos de cobranças, sem a promoção das devidas adequações em meio à pandemia, é um elemento que deveria saltar aos olhos, porque deixa clara a prioridade aos lucros não à saúde das pessoas”, analisa a psicóloga, que, ao longo dos anos, estudou traumas e memórias dos sobreviventes dos bombardeios de Hiroshima (Japão).

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A ideia de produtividade nos acompanha desde antes da pandemia, como um reflexo de uma sociedade capitalista, em que você é aquilo que produz (você já deve ter lido isso em algum livro de história). Mas, aparentemente, por estarmos em casa, essa pressão se intensificou. “Criou-se uma falsa verdade, como se a gente não estivesse enfrentando um momento de mal-estar geral. Devemos dar conta de tudo só pelo simples prazer de estar em casa, sem pensar em todo desconforto que temos ao ver tantas mortes”, analisa Gabriela Malzyner, mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professora do curso de formação de psicanálise (CEP/SP). 

De acordo com Luiz Scocca, isso vem desde a infância, quando a criança é introduzida à cultura. “Quanto mais correspondemos ao que esperam, mais premiados somos”, explica. “Por isso é difícil definir o que é suficiente em uma cultura em que precisamos ser sempre mais: mais estudiosos, mais valentes, mais fortes. Tudo isso para sermos amados, sermos aceitos, termos prazer, poder e sucesso.”

O que é ser produtivo?

De modo geral, o que você considera como um dia produtivo pode ser diferente do que o seu vizinho, ou colega de trabalho, considera. O sentimento de culpa e essa sensação de não estar fazendo o suficiente aparece, justamente, quando você tenta atingir esses supostos parâmetros de produtividade. “A culpa está associada a um ideal. Sempre que a gente dialoga com o ideal, estamos aquém dele, porque ele está em um patamar e a gente em outro”, explica Gabriela. 

Se somos mais perfeccionistas e recebemos muita pressão do chefe ou dos nossos pares, nos sentirmos culpados por não estarmos fazendo tudo o que se espera — ou que nós mesmos esperamos — de nós”, acrescenta Eduardo Perin, psiquiatra, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Produtividade X pandemia

Todos os afazeres a mais que a pandemia criou estão nos fazendo sentir vergonha de não dar conta
Todos os afazeres a mais que a pandemia criou estão nos fazendo sentir vergonha de não dar conta (Steve Cole/Getty Images)

Vamos lembrar de uma coisa muito importante: estamos vivendo no meio de uma pandemia. De uma hora para outra, ficar em casa não é mais uma opção — apenas — para descansar ou relaxar a mente, mas a melhor maneira de manter a própria vida em segurança e o seu trabalho em dia.

“A maior parte das populações precisou modificar suas rotinas para, rapidamente, se ajustar às novas estruturas e aos novos ambientes de trabalho, espaços e momentos de lazer. Tudo isso, a fim de conter a disseminação do coronavírus”, aponta Cristiane Izumi Nakagawa. “Essas modificações, no entanto, pedem elaboração e tempo, o que não temos em um momento como este, em que somos intimados a responder muito prontamente às demandas sociais e pessoais sem considerar devidamente os nossos próprios limites.” 

Em resumo, temos uma uma crise sanitária, então o agravamento da crise economia (desemprego, salários reduzidos, sobrecarga de trabalho) e, por fim, ainda precisamos lidar com o acúmulo de tarefas domésticas e as relações familiares. Enfim, são elementos suficientes para nos sentirmos ainda mais pressionados. 

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  • Pegue leve com você

Em primeiro lugar, entenda que você tem limites e respeite eles. “Aceite a sua vulnerabilidade. Todos nós temos limites e, em algum momento, poderemos falhar”, comenta Débora Guerra.

  • Faça o melhor que puder

Do ponto de vista de Débora Guerra, ser produtivo não é, necessariamente, realizar por completo todas as atividades propostas, mas se empenhar ao máximo para a realização delas. Esse pode ser um bom ponto de partida para reorganizar a sua rotina. 

  • Entregue o que conseguir

Para Eduardo Perin, ser produtivo é “fazer o máximo possível dentro do prazo estabelecido, mesmo que não fique da maneira como imaginava”. Já ouviu falar que um treino feito é melhor do que um treino perfeito? É isso. 

  • Ninguém é infalível

Conforme-se de que nem sempre será possível atingir as suas expectativa ou as dos demais. “Estamos tentando sobreviver a uma tragédia de proporções globais. Você está vivo? Até aqui você conseguiu!”, pondera Luiz Scocca. “Vamos lembrar do óbvio: somos humanos, somos falíveis, somos limitados, mas podemos continuar tentando”, analisa o psiquiatra. 

  • Saiba usar as redes sociais

Ver pessoas compartilhando o diploma de mais um curso que concluíram ou o final de mais um treino te inspira ou te desanima? Filtre o que te faz bem e evite se deixar levar pelas aparências. Lembre-se que dificilmente as pessoas vão publicar fotos ou vídeos de um dia difícil. 

  • Seja legal com as pessoas

Ao longo de suas pesquisas com sobreviventes dos bombardeios em Hiroshima, Cristiane pode notar que a solidariedade e a noção de senso de comunidade são fundamentais para reverter os danos causados por conflitos ou traumas. Por isso, seja legal com as pessoas! Não apenas compartilhando objetos ou alimentos, como também respeitando e entendo as limitações dos demais. Coloque-se no lugar no outro. “Solidariedade se desenvolve quando permitimos que a dor e a dificuldade do outro fale com a nossa dor e a nossa dificuldade”, explica a especialista.

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Viva o presente

Relaxe e pare de se cobrar tanto
Relaxe e pare de se cobrar tanto (Marko Gebber/Getty Images)

Talvez você já tenha ouvido falar do mindfulness, a prática de se manter — e viver — o momento presente. Em dias de tantas incertezas como os que estamos vivendo, pensamentos de angústia e ansiedade podem se tornar mais presentes, então saber lidar com eles pode fazer a diferença para uma rotina mais leve. 

“Mindfulness é estar presente no momento presente, prestando atenção no agora e fazendo uma coisa de cada vez. A prática de mindfulness, de certa forma, educa os pensamentos a aguardarem sua vez. Mas requer prática”, explica Beatriz Lassance, cirurgiã plástica membro do American College of LifeStyle Medicine e do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida.

Separamos alguns conceitos e práticas de mindfulness que podem te ajudar a ter uma vida mais leve no meio dessa pandemia — e fora dela também. 

  • Pratique a autocompaixão

Pare de se punir! “Não consegui fazer essa planilha, como sou burra”, “Estou feia”, “Eu engordei, que ódio”, você falaria assim com uma amiga? “A neurociência explica que a área do cérebro ativada quando dizemos isto a nós mesmos é a mesma de que quando somos xingados por outra pessoa”, conta Beatriz. Então, por favor, seja mais gentil com você mesma. 

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  • Exercite a gratidão

“A gratidão aumenta a produção de hormônios do bem-estar e deve ser exercitada”, explica Beatriz. 

A proposta é fazer um diário da gratidão: todos os dias, antes de dormir, escreve cinco coisas pelas quais você é grata. Talvez você tenha conseguido beber mais água ou tenha tido uma boa conversa com um familiar ou colega de trabalho, escreva e guarde essas lembranças. 

  • Comece a meditar

A meditação aumenta a capacidade de foco quando executamos atividades diárias. “Parece bobagem, mas realmente educa o nosso cérebro a filtrar os pensamentos”, explica a especialista. 

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Dica: existem aplicativos de meditação que podem te ajudar, como Insight Timer. No Instagram, o perfil de Tadashi Kadomoto, que já ultrapassa o número de 1 milhão de seguidores, compartilha dicas e realiza lives de meditação guiada. Vale a pena conhecer — e experimentar.

  • Pense — com amor — no que está fazendo

Na hora de acordar, espreguice, sinta ao seu corpo. Respire fundo, agradeça por mais um dia. Ao se exercitar, preste atenção no seu corpo, no que ele é capaz de fazer. Trabalhe com gosto, com prazer. Quando for comer, preste atenção, saboreie tudo com calma e prazer.

  • Valorize o seu progresso

Ontem você não conseguiu fazer uma planilha, mas hoje você aprendeu e fez uma excelente apresentação. Parabéns! Talvez você não tenha tido a sua melhor aula na pós-graduação, mas você conseguiu assistir às aulas mesmo depois de um dia cheio de trabalho. Que ótimo! 

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Por fim, lembre-se que você está tentando sobreviver a um momento que nunca pensamos viver. Faça o melhor que puder e não seja tão dura consigo mesma. Você está fazendo o que pode para se sair bem dessa. 

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Essa matéria faz parte da edição de agosto de BOA FORMA, que tem como tema Pegue Leve e conta com uma série de matérias sobre como parar de se cobrar tanto durante a quarentena.

Confira também nosso especial sobre beleza, com uma rotina de beleza minimalista para você adotar; nosso especial sobre alimentação, com 21 receitas leves para o jantar; e nosso especial sobre movimento, com treinos de Tai Chi Chuan e Pilates Move Flow para trazer mais leveza.

Todas as ilustrações dos especiais e da capa foram realizadas por Marcella Tamayo.

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