6 dicas para afastar o tédio na quarentena
Ele tem aparecido com mais frequência do que a gente gostaria. Veja o que leva ao tédio e como driblá-lo
Você já parou para contar quantas vezes teve tédio desde que adotou o isolamento social? Ao mesmo tempo em que alguns relatam muita ansiedade, uma parcela relata tédio – e algumas vezes os sentimentos se sobrepõem, de alguma maneira. O tédio é uma espécie de combinação de sentimentos opostos – a letargia e o desinteresse de um lado, e a inquietação e o desconforto do outro – e deixa a gente com mais dificuldade de se engajar nas atividades diárias. Veja como afastar o tédio na quarentena.
É como se, ao mesmo tempo, você estivesse pisando no acelerador e no freio de um carro – não dá para decidir qual direção tomar
Henrique Bottura (@dr_henrique_bottura), psiquiatra e diretor do Instituto de Psiquiatria Paulista, em São Paulo.
O próprio dicionário o define bem: é o desgosto profundo que provoca desinteresse por tudo que nos cerca. E também um mal estar causado por algo que nos aborrece
Denise Gobo (@dradenisegobo), médica psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Por que estamos sentindo mais tédio na quarentena?
Os dois especialistas explicam que a nossa rotina pré-pandemia funcionava como um trilho: não permitia que houvesse desvios e era otimizada ao máximo para que fizéssemos as coisas “no modo automático”. “Por outro lado, ela nos afastava dos momentos de solidão, das dúvidas existenciais e até das dores mais profundas”, afirma Henrique Bottura.
De repente, tudo mudou completamente. E os fatores externos deixaram de ser tão impositivos – agora, quem determina a nova rotina somos nós mesmos. E é aí que muita gente se sente incomodada. “Aprendemos que uma vida interessante é aquela produtiva, com muitas novidades e preenchida por compromissos e objetivos”, diz Denise Gobo. A privação de tudo isso gera inquietação.
É claro que surgiram novos desafios, como o trabalho em casa, o cuidado com os filhos e relacionamentos e os afazeres domésticos. Mas, segundo ambos, até conseguirmos organizar essa nova agenda, pode ser que o tédio na quarentena ainda seja muito presente.
Por que algumas pessoas lidam melhor com ele?
O tédio é relativo e individual. E você provavelmente conhece estes dois tipos de pessoas: algumas podem até morar em apartamentos pequenos, mas quase não sofrem com o estado emocional. Já outras, mesmo que vivam em verdadeiras mansões, não conseguem achar sequer uma tarefa que seja prazerosa. O que as diferencia?
“A maioria dos estudos sobre o assunto ainda são inconclusivos. Mas uma parte deles já aponta que existem indivíduos com maior predisposição a se entediar”, diz Henrique. De acordo com ele, quem se encaixa nesse perfil tende a sentir um enorme incômodo nos momentos em que não tem nada para fazer e, ao mesmo tempo, apresenta grande dificuldade para se interessar por algo.
“Mas, mesmo se você já tem uma predisposição, o aparecimento do tédio (ou não) vai depender da capacidade de tirarmos proveito da situação e buscar novos aprendizados”, explica Denise.
Consequências do tédio
Na maioria das vezes, o sentimento vai passar facilmente com alguma distração mas, em alguns casos, ele pode levar a efeitos mais sérios. “O tédio está associado a comportamentos ruins – aumento da impulsividade, maior exposição a riscos e comportamentos compulsórios”, explica Henrique Bottura, e isso pode desencadear em quadro ainda mais grave. “Ele pode ser transformado em sentimentos depressivos e melancólicos. E desencadear síndrome do pânico, ansiedade e insônia. Consequentemente, isso traz prejuízos sociais e no trabalho”, afirma Denise Gobo.
Além disso, segundo Henrique, estudos relacionam o tédio com a maior radicalização de pensamentos políticos. “É como se a pessoa tentasse, a todo custo, acreditar em alguma ideia maior”, diz o psiquiatra.
Como reverter o tédio
Acabar completamente com o tédio durante a quarentena pode ser difícil se você não está com “as mãos cheias” de afazeres, como uma grande parcela das pessoas durante esse período. Contudo, você pode adotar alguns hábitos no dia a dia para transformá-lo em outros estados emotivos, como curiosidade e criatividade. Veja como:
- Estabeleça uma rotina Não, ela não será nada parecida com a que você tinha antes. Mesmo assim, é necessária. Organizar uma agenda semanal irá sinalizar para o cérebro que as coisas estão em ordem. “Se, todos os dias, eu realizo atividades que se repetem, meu organismo entende que há conexões entre os fatores que acontecem durante a semana. Desse modo, a sensação de caos se dissipa”, diz Henrique Bottura.
- Preocupe-se com a qualidade do sono “Mesmo que você não tenha horário para acordar, programe o despertador. Acordar muito tarde traz culpa e a ideia de que o dia ‘já foi perdido'”, explica a terapeuta Lu Ortiz. Evite também trocar o dia pela noite: esbarrar no tédio é muito mais fácil quando todo mundo está dormindo e você está sozinho na madrugada.
- Encontre novas paixões Seja com uma nova atividade física, um livro que você nunca pensou em ler ou até com aulas de uma língua que você acha difícil, teste novas possibilidades. “Temos que buscar coisas que nos engajem mental e fisicamente”, diz Henrique.
- Não fuja dos sentimentos Esteja preparado e entenda que alguns sentimentos vão aparecer, e não precisamos fugir deles o tempo todo. “Não vale não sentir. Lembre-se que os momentos felizes não existiriam se não houvesse o tédio”, diz Lu Ortiz.
- Dê tempo ao tempo Lembra que falamos que o cérebro demora para se adaptar a uma nova realidade? Alguns de nós precisam de mais tempo até isso acontecer. “As primeiras semanas são um período de adaptação. É normal ficarmos mais tristes, e isso tende a diminuir”, afirma Denise Gobo. Se você perceber que o desânimo está demorando muito para passar, talvez seja hora de procurar ajuda especializada.
- Aposte na criatividade “Eu gosto de dar o exemplo das crianças. Elas parecem nunca sentir tédio. Pelo contrário, vão usando a criatividade para transformar o momento em uma grande brincadeira”, explica Denise. Lu Ortiz ensina um exercício que funciona como uma “alavanca de criatividade”: “Feche os olhos e lembre-se de um momento em que você se sentiu criativo e orgulhoso de si mesmo. Tente recordar com quem estava, o que você fazia naquele momento e quais eram as sensações presentes. Nosso cérebro faz associações e possui caminhos neurais que ficam mais apagados se não os usamos. Lembrar de momentos criativos fortalece o entendimento do órgão de que essa é a realidade.”